2020, o ano que mudou a minha vida

2020, para além das experiências pessoais, foi um ano de impactos coletivos com a pandemia mundial do coronavírus. Isolamento social, máscaras, e tudo mais. Mas além disso tudo, entrevistamos aqui pessoas que tiveram um 2020 de grande impacto: o caminhoneiro que perdeu quase tudo na enchente, e reconstruiu sua vida graças à solidariedade de amigos e até desconhecidos; a jovem professora que realizou o sonho de ser mãe; uma outra professora que perdeu pai e mãe para o Covid-19; o apaixonado por trem que viu um projeto de 15 anos se tornar real.

No registro do dia a dia, tem gente que não quer que um jornal fale de doença, nem de assalto, nem de homicídio. Nesse ano estranho, a mídia se tornou inimiga e os políticos, ídolos. Nesse ano estranho, os leitores decidiram que não querem essa ou aquela notícia, como se os fatos fossem seletivos, e o roteiro da vida não fosse maior do que os nossos desejos.

No jornalismo, mesmo na morte, na dor, o bonito é que registramos a vida, em todas suas nuances. Ela é bela, ela resiste, ela é feita de seres humanos, com suas faces tenebrosas e fantásticas.

Agradecemos a confiança de nossos entrevistados em falarem sobre assuntos tão importantes e delicados em suas vidas. No cotidiano, cabe a poesia da história real da vida das pessoas, com seus roteiros de superação e fé.  

Perdi meus pais para o Covid-19

A professora Cibele Barbeto, 41 anos, em março acompanhava o início da pandemia pela televisão. Isolamento social, máscaras e afins lhe pareciam estratégias políticas e manipulação. Acostumada a trabalhar muito, estranhou o isolamento com o filho, de dez anos e os pais. Aos pais idosos, Dalva e Antonio, a recomendação de evitarem sair de casa. “No começo eles nem foram ao mercado, mas depois começaram a ir à lotérica, ao banco, e também iam bastante em consultas médicas no Posto de Saúde”, lembra. “Eles usavam máscaras, mas a minha mãe nem acreditava muito”, lembra.

O primeiro a apresentar sintomas foi o pai: em maio, começou a sentir fraqueza nas pernas e braços e pressão baixa, mesmo sendo hipertenso. Um mês após o marido apresentar sintomas que não foram relacionados ao Covid-19, Dalva acordou com tosse e foi levada ao médico. “Os pulmões dela já estavam 80% comprometidos. Ela foi internada na UTI e depois de 17 dias não resistiu: ela tinha doença autoimune e tomava bastante corticóides”, relata Cibele.

A família toda fez teste, e todos já tinham tido a doença. Apenas ela deu falso negativo. “Consta que nunca tive contato com o vírus, mas eu que fiquei no isolamento com a minha mãe, mas não adquiri anticorpos”.

Após a morte da esposa, Antonio ficou desanimado com a perda de sua companheira de mais de 50 anos  e sua saúde piorou: começou a ter problemas intestinais e no mês de outubro se agravou: internado na quinta, faleceu no domingo. “No atestado de óbito, não conta Covid-19 como causa da morte, mas o médico afirmou para mim que a infecção e depois hemorragia foi consequência da doença”.

A família do irmão que mora em São Paulo também teve, mas se recuperou e passa bem. “Foi mais um susto, pois eles foram o que sobrou da minha família, além do meu filho”. Ela recorda que ao perder a mãe,  teve momentos de revolta com Deus. “O que me ajudou a superar e entender foi o estudo da Doutrina Espírita. Isso me consolou e acalmou o meu coração. Eu evolui muito espiritualmente neste ano e apesar de tudo me sinto amparada por Deus em todos os momentos. Eu não acreditava na pandemia, e eu gostaria de pedir para as pessoas se cuidarem. Eu achava que estava longe de mim, mas não estava…”

Cibele com a família no Natal de 2019

Violeta está chegando…

A professora Cássia Batalha tem 33 anos. Ser mãe sempre foi um desejo inerente à sua personalidade. Há quatro anos, ainda casada, ela começou a flertar com as tentativas. “O tempo urge para o ventre fêmea e sempre rejeitei a possibilidade de não compartilhar uma família tão legal quanto a minha com uma criança. Meus pais e meu irmão eram amparo e motivo de admiração constate”, diz.

  Os primeiros exames apontaram para uma provável infertilidade. “  As primeiras buscas médicas foram verdadeiras batalhas, travadas, inclusive, comigo mesma. Isso porque tinha consciência de que não teríamos condições de bancar os custos de um tratamento de reprodução humana”, lembra.

Após a separação, ela desviou a atenção deste foco, mirando em trabalho e estudo. Mas outra trilhas a levariam para o encontro com sua filha. “Meio aos cacos, e por acaso, um casal de amigas soube que era possível fertilizar através de ovodoação. Este tipo de procedimento é bastante comum em clínicas médicas de reprodução humana assistida e consiste em firmar um acordo [anônimo e mediado por contratos], entre doadora e receptora, para uma partilha de óvulos.    Desta forma, ao doar óvulos para outra família, não foi necessário pagar pela maior parte das intervenções médicas, especialmente as mais caras. Fiz diversos exames que atendem a critérios regulamentados pelo Conselho Federal de Medicina e só aí oficializei a FIV [fertilização in vitro]. Primeiro foram as injeções para a estimulação ovariana, depois a punção folicular e, por último, a transferência do que viria ser o embrião”, conta.

Tudo correu bem, e Violeta está quase chegando. Cássia sabe que, vencidas as etapas físicas, enfrentar o desafio de uma maternidade solo requer muita força emocional.  “Existe uma série de tratados e discursos moralizantes que deixam as mães solo bastante desajeitadas. Nestes momentos, é fundamental tentar se livrar das culpas e nos permitir redimensionar as experiências, desromantizá-las por assim dizer. Eu e Violeta temos muito a enfrentar ainda [não bastasse todo o contexto histórico marcado pelo covid-19]. Entretanto, temos o indispensável: uma rede incrível de amigos e um núcleo familiar sólido que aposta no cuidado e nos afetos. Apesar dos desafios de 2020, estamos aí, resistindo..”

Cassia e a corajosa decisão de uma maternidade solo

Após 15 anos, meu sonho se realizou

O turismólogo Fábio Grizoto, em 2005, participou de um Seminário Ferroviário  organizado pelo Movimento de Preservação Ferroviária (MPF) no Rio de Janeiro, representando Itu. No evento, ele apresentou o projeto de um trem que ligaria Itu a Salto.

Após apresentar o roteiro para autoridades de ambas as cidades, o início das obras foram três anos depois, por meio de liberação de recursos do Ministério do Turismo e, na sequência, a doação de trilhos feita pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Em 2013, por meio de convênios com o Departamento de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios Turísticos (Dadetur), da Secretaria de Turismo do Estado, começaram os repasses para a conclusão do projeto, incluindo pontes sobre o Rio Tietê, o girador de locomotiva e a reforma das estações das duas cidades.

O projeto foi iniciado e paralisado diversas vezes. Fábio ouviu diversas vezes que seu sonho jamais se realizaria, mas enquanto eles falavam ele se aprofundava em sua paixão pelo mundo ferroviário, meio em que fez muitos amigos.  A ideia, vimos no dia 18 de dezembro, se tornou real, após 15 anos. Uma longa jornada, que envolveu vários secretários de turismo e prefeitos das duas cidades. “Eu só tenho a agradecer, pois se não fosse o empenho de cada um o projeto não teria jamais saído do papel”, diz Fábio.

Ele acompanhou de perto as decisões políticas e econômicas do roteiro, e muitas vezes não muito de perto, mas com o trem republicano nos trilhos isso já não importa. “Eu só queria que se tornasse real, e constatamos que isso realmente iria acontecer quando na construção do contorno, a Rodovia Herculano de Godoy Passos, foi deixado espaço para o trilho do trem”, diz ele.

Sua paixão pelo trem é tanta que ele estudou locomotivas e também é um dos condutores do Trem Republicano. “Eu fiz meu registro como Micro Empreendedor Individual e nos meus dias de folga (ele é funcionário público há 17 anos) eu irei conduzi-lo”.

Perdi quase tudo e recomecei….

Ariovaldo de Oliveira Junior, 48 anos, adorava receber os amigos em volta de sua piscina, em sua casa no Jardim Paraíso, em Itu. O seu caminhão, instrumento de seu trabalho, ficava estacionado próximo ao seu portão, e foi ali que ele começou 2020, esperando ser um ano de muito trabalho e reuniões com os amigos.

Em 11 de fevereiro, uma enchente fez com quem um córrego próximo de sua casa transbordasse: á agua chegou a quase dois metros dentro de sua casa, sua moto foi arrastada para a casa do vizinho, embaixo do carro. Moto e caminhão foram danificados. Ele viu tudo submerso e perdeu cerca de R$ 50 mil reais, entre móveis, eletrodomésticos.

Um vizinho cedeu uma quitinete em frente à sua residência, e outras pessoas foram solidárias: com a ajuda de profissionais e amigos ele conseguiu arrumar o caminhão, para voltar a trabalhar, e depois o carro e a moto. Em maio, começou a reformar sua casa, para que ela fosse novamente habitável.  No dia 16 de setembro, dia de seu aniversário, ele retornou para sua casa. Nos desafios do caminho, o casal ainda foi infectado pelo coronavírus. Mas a família aumentou: em julho, sua filha Anna Julia teve Arthur.

“Deus é muito bom, eu e minha esposa Renata trabalhando conseguimos tudo de volta. Com fé em Deus, a gente consegue tudo. Faça só o bem, que ele retorna pra você. Tive ajuda de muita gente, algumas em nem conhecia. Eu só tenho  a agradecer… Eu saio de 2020 com a lição de que nunca estamos sozinhos, sempre precisamos dos outros e sempre haverá alguém bom para ajudar. Saímos de 2020 muito mais fortalecidos…”

One thought on “2020, o ano que mudou a minha vida

  • Parabéns ao Editor pelo conteúdo e reportagens de historias de leitores.
    Quanto mais vc lê, mais informado fica, e ainda torna se mais humano
    ao conhecer fatos, superação, sonhos de pessoas comuns como vc, mas
    que passaram por experiências que vc nem conhece, contem todos as suas histórias
    vamos todos gostar muito. Parabéns, gratidão

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