A Cultura de Itu pede socorro
Você sabe quais medidas estão sendo adotadas em nossa cidade como apoio aos fazedores de cultura durante a pandemia do Covid-19? Do que sobrevivem os músicos, os artistas de rua, as casas de shows, produtores, fotógrafos, palhaços, museus, dançarinos, estúdios, escolas de arte quando todas ou a maioria das atividades presenciais foram canceladas?
Como todos podem imaginar, o setor cultural está dentre os mais afetados pela pandemia do Covid-19, por exemplo, pelas restrições de aglomeração e proibição de atividades realizadas com o público em pé. Os trabalhadores da cultura, sobretudo artistas, tem relações de trabalho marcadas pela informalidade, o que implica que se não há trabalho, não há renda.
Em razão desse cenário, a Lei Federal nº 14.017/2020, apelidada de Lei Aldir Blanc, foi criada a fim de destinar aos estados e municípios uma verba de 3 BILHÕES de reais para ações emergenciais destinadas ao setor cultural, a serem adotadas durante o estado de calamidade pública do Covid-19.
A Lei prevê o pagamento de benefícios sob três modalidades diferentes e tem como destinatárias as pessoas que participam da cadeia produtiva dos segmentos artísticos e culturais, incluídos artistas, contadores de histórias, produtores, técnicos, curadores, oficineiros e professores de escolas de arte e capoeira.
Contemplou também espaços culturais e artísticos, microempresas e pequenas empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas e instituições culturais com atividades interrompidas devido às medidas de isolamento social.
Dessa forma, a Lei Aldir Blanc veio em socorro a esses trabalhadores, empresas e coletivos como uma medida de assistência a esses agentes culturais.
Você sabia da existência dessa Lei? Você conhece uma ou mais pessoas que poderiam se beneficiar dessa Lei, mas não o foram? Eu conheço. Muitas.
Pois bem. Apesar das boas intenções da Lei, a distribuição desse recurso dependia de regulamentação dos estados e municípios, a fim de estabelecer qual o plano de ação para pagamento dessa verba, o que vai desde a divulgação do benefício, cadastramento dos solicitantes, diretrizes sobre a distribuição do valor entre as diferentes modalidades de benefício, criação dos critérios para definir valor e quantidade de parcelas e mais. Tudo isso deveria ser realizado e concluído até 31/12/2020, sob pena de essa verba retornar ao Governo Federal. Aí começam as dificuldades.
A cidade de Itu recebeu em 02/10/2020 uma verba de 1,2 milhões de reais a serem distribuídos aos agentes culturais de nossa cidade. O plano de ação para a distribuição desse recurso deveria passar pelo Conselho Municipal de Política Cultural de Itu, que é o órgão que estrutura a representatividade da sociedade civil perante o Poder Público. Ele é um dos componentes do Sistema Nacional de Cultura previsto na Constituição Federal. (Para saber mais sobre o CMPC, acesse: https://itu.cmpc.org.br/ ).
O CMPC funciona por meio de reuniões abertas à população e qualquer cidadão pode se candidatar a uma das cadeiras para representar um dos seguintes nichos de atuação na Cultura: Fotografia; Artesanato; Educação Patrimonial; Audiovisual; Música; Teatro e Circo; Dança; Cultura Popular; Cultura Étnica, Trabalhadores Culturais; Expressões Literárias, Produção Editorial e Biblioteca; Artes Plásticas e Setores de Inclusão Social.
Ocorre que as prerrogativas do Conselho Municipal de Política Cultural não estão sendo observadas pela Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico de Itu, em especial no que se refere à Lei Aldir Blanc.
Para distribuição dessa verba, foi o CMPC que sugeriu a criação do Comitê de Acompanhamento da Lei Aldir Blanc (veja o ofício 005/2020 e outros no site do CMPC), incluindo representantes da sociedade civil, não apenas membros indicados pelo Poder Público. Foram abertas inscrições e, a duras penas, 5 (cinco) cidadãos se disponibilizaram, dentre eles eu.
No entanto, a Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico de Itu (SECULT) recusou-se a permitir a participação do CMPC, e da própria Comissão de Acompanhamento na a) formulação do plano de ação relativo à Lei Aldir Blanc; b) criação da regulamentação municipal que estabeleceria as diretrizes para aplicação da Lei; c) formulação dos editais relativos ao inciso III do art. 2º da Lei Aldir Blanc.
O benefício previsto no art. 2º, III da Lei Aldir Blanc, em particular, foi o mais prejudicado pela falta de participação popular na formulação do edital de Chamamento Público 006/2020.
O objeto deste edital era a premiação de 122 agentes culturais, num valor individual de R$4.135,00 por prêmio, totalizando R$504.470,00. Mas os problemas começam pela própria redação do edital, porque não foram premiados 122 agentes, mas 122 projetos, pois o próprio edital previa que os proponentes poderiam apresentar quantos projetos quisessem e ser premiados em até 6. 198 pessoa físicas e jurídicas se habilitaram nesse processo, ou seja, atenderam aos requisitos de prazo e documentação para participar da fase de seleção dos projetos, de acordo com os critérios constantes do edital de premiação.
Isso já nos faz pensar que se o prêmio fosse pouco mais da metade do valor, todos os habilitados seriam contemplados e não seria necessário um certame competitivo para saber quem “merece” um valor que foi destinado para atender situação emergencial. É uma verba assistencial! Mas, enfim, a Secretaria não previu isso e muito menos o edital.
Tais critérios foram estipulados pelo edital formulado pela SECULT, com igual peso cada um, sendo:
- Atuação do proponente considerando a contribuição ao desenvolvimento artístico ou cultural do Município de Itu;
- Qualidade e relevância artística e cultural de ações realizadas;
- Abrangência e impacto da atuação considerando o público envolvido.
Não é difícil visualizar o tipo de produção artística que o edital privilegiou. Imagine, por esses critérios, qual a chance do palhaço concorrendo com o circo?
Consequência disso é que tantas foram as pessoas premiadas mais de uma vez, que na realidade os 122 prêmios foram distribuídos entre apenas 87 agentes culturais, entre pessoas físicas e jurídicas. Veja, essa verba deveria chegar a todos os agentes culturais da cidade.
Por esse motivo é importante que os gestores públicos estejam alinhados com a realidade do setor cultural, pois se a intenção era de que a verba fosse inteira utilizada e o recurso não retornasse ao Governo Federal, o objetivo, realmente, foi atendido.
Mas a gestão desse recurso foi democrática? Será que apenas 87 agentes culturais, entre pessoas físicas e jurídicas, estavam precisando desse valor?Aí você me pergunta, “Débora, ok, mas se o recurso era de 1,2 milhões, ainda sobraram quase 700 mil reais, certo?”
Correto. Esse valor foi pago em forma de subsídio mensal, relativo ao inciso II do art. 2º da Lei Aldir Blanc, destinado aos espaços culturais e artísticos, microempresas e pequenas empresas culturais, organizações culturais comunitárias, cooperativas e instituições culturais. Sim, as empresas puderam participar dos dois benefícios, do inciso I e do Inciso II.
Esses dados estão disponíveis no site da Prefeitura, na aba Secretaria de Cultura, Lei Aldir Blanc. Lá, qualquer pessoa pode conferir essas informações.
Por fim, a SECULT convidou apenas pessoas jurídicas para participar no dia 10/03/2021, (quarta-feira p.f.) da prestação de contas da Lei Aldir Blanc e lançamento do programa “Itu em suas mãos”. Pergunto eu: Nas mãos de quem?
Muitos foram os prejudicados neste processo. Primeiramente, a comunidade cultural da cidade ainda não tem um plano em tempos de pandemia.
Adiante, prejuízos causados pela precária comunicação e falta de clareza de informações por parte da SECULT na organização, no cadastramento e orientações aos agentes culturais, passando pela forma como foi formulada a lei municipal.
A nosso ver, a SECULT não reconhece a representatividade, nem do Conselho, nem do Comitê, para fazer valer os direitos da sociedade civil, o que significa não permitir a participação popular nos trabalhos desta lei emergencial, ou de qualquer outra cotidiana.
Fica assim o chamado para você, fazedor de cultura de Itu, tomar posse dessas reivindicações, se fazer representar e se fazer ouvir, para construirmos, juntos, uma política pública mais democrática.
Se você se interessa por cultura, compareça a uma das reuniões virtuais do CMPC, na sala virtual e lembre-se que você também pode fazer parte do CMPC! Saiba mais sobre as eleições na próxima reunião.
E se você quer melhorar a PARTICIPAÇÃO POPULAR na gestão cultural de nossa cidade responda à pesquisa do CMPC: https://dialogos.cmpc.org.br/avaliacao-da-lei-aldir-blanc-em-itu-sao-paulo/
*Débora Alcaraz, artista, musicista, produtora cultural e advogada. Faz parte do Conselho Municipal de Política Cultural e da Comissão de Acompanhamento da Lei Aldir Blanc em Itu.