Aquilo que valorizamos…
O prato mais caro do mundo são os tacos do Resort Grand Velas, que fica em Los Cabos, no México. Custam 25 mil dólares. São feitos com lagostim, carne Kobe, caviar Almas Beluga e queijo brie com trufas negras, acompanhado com molho de pimentas Morita secas, tequila envelhecida ultra premium Ley.925 e café. O prato é servido sobre uma tortilha infusionada com flocos de ouro 24 quilates.
Um prato como esse, é acessível para apenas 10% da população mundial. Mesmo representando menor porcentual, eles controlam 76% da riqueza do mundo. No lado oposto, vemos que os 50% mais pobres controlam apenas 2%. E os 40% médios são responsáveis por 22% dela.
No Brasil, a desigualdade é ainda maior. Menos de 1% da população brasileira é rica, ou 1,5 milhão de pessoas.
Somos ensinados desde pequenos a não renunciar artigos de luxo, mas a cobiçá-los, porque se trabalharmos o suficiente, um dia, nós também poderemos comprá-los e degustar um prato tão requintado assim.
Mas a realidade que se apresenta é que enquanto poucos se deleitam com iguarias como essa, muitos precisam se contentar com um mingau ralo, ou com o osso vendido no açougue, que nada mais é do que o osso com o resto de carne que sobrou daquela que foi cortada para vender.
De acordo com estimativas das Nações Unidas, em 2020, 2,37 bilhões de pessoas ou um terço da população mundial, sofreram períodos sem ter o que comer ou sem acesso regular a nutrientes, fazendo com que 22% das crianças de até cinco anos de idade apresentassem crescimento atrofiado.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, diz que a comida é uma necessidade básica. Então, ao enxergar a comida como um produto, algo que é determinado pelo mercado e pela demanda, que atende aos caprichos de alguns, e não a necessidade das pessoas, é o mesmo que aceitar que muitas delas ficarão sem comida, vão adoecer ou morrer de fome.
Enquanto muitos estão morrendo de fome ou ficando subnutridos, outros podem se dar ao luxo de escolher o que comer. E o que mais acontece é que a maior parte das pessoas não presta atenção ou não tem noção dos seus próprios privilégios, porque está olhando para o lado que tem mais, enquanto os que têm menos são a grande maioria.
Não é errado gastar livremente com algo tão efêmero quanto um jantar requintado enquanto outras passam fome. Essa é a consequência de um problema sistêmico mundial. Ao optar por não frequentar um restaurante de alto padrão não quer dizer que isso vai melhorar a vida de ninguém, a não ser que o dinheiro que seria gasto seja doado para fins beneficentes.
Comer é uma ação estritamente egoísta, porque comemos basicamente para nos manter vivos. E na maior parte das vezes comemos outros seres vivos, tirando a vida de um para manter a nossa própria.
Indignar-se com isso é uma forma de transgredir e tentar corrigir o sistema, esperando que as pessoas, ou a maior parte delas, tenha consciência dos males do mundo e gratidão por seus próprios privilégios e sorte.
Érica Gregorio, jornalista, socióloga em formação, escreve periodicamente no seu blog ericagregorio.com