Carta de uma servidora municipal

Os pais nem imaginam o que acontece aqui dentro, o que a gente passa…

Em julho de 2021, inauguraram uma nova creche e alguns funcionários tiraram férias. Foi então que começamos a perceber uma situação difícil na nossa função de auxiliares de creche. A falta de água nas unidades, crianças com virose, a prevenção da Covid, e a falta de funcionários cada vez mais.

Colegas conseguiam um emprego melhor e pediam exoneração, então soubemos que eles saiam com um boleto para pagar das horas não trabalhada. Quando chegou em janeiro, um grupo de auxiliares começou a conversar novamente, pois queríamos reivindicar melhorias no nosso setor. Tínhamos uma série de pedido de melhorias: queríamos um canal de comunicação, as cidades da região com salários melhores, estávamos perdendo colegas cada vez mais por estas más condições de trabalho.

Então, protocolamos na Prefeitura estes pedidos de melhoria, pois a Prefeitura tem um setor de protocolos em que eles têm que responder. Mas o tempo passou e não tivemos nenhuma resposta.

Procuramos o Sindicato, queríamos ser ouvidas, estávamos muito cansadas. Ficamos sabendo de uma reunião do Sindicato com o secretário de Educação e pedimos para irmos juntas, mas pediram para aguardar. No dia 4 de março, o Sindicato publicou uma nota em que  não dizia nada com nada.

Resolvemos então protestar, com o único objetivo de SERMOS OUVIDAS! Conscientes de que as creches não poderiam ser fechadas, nós nos organizamos para deixar 30% das funcionárias nas unidades escolares. Avisamos o Sindicato, avisamos a Secretária de Educação, e fomos protestar em frente à Prefeitura.

Ficamos tão felizes quando o prefeito chegou e disse para entramos no auditório, entramos felizes, nos identificamos, sem medo, confiantes. Bandeira branca erguida, coração cheio de esperança.

Mas não fomos ouvidas, só o Prefeito falou. Ele nos humilhou. E, além disso, proibiu a gente de voltar para o trabalho, o que pretendíamos fazer, mas fomos impedidas. Muitos pediram exoneração depois daquele dia, mas nós continuamos com a nossa rotina normal no dia seguinte.

Para nossa surpresa, o prefeito Guilherme Gazzola usa aquela lista que assinamos tão confiantes para nos transformar em réus em um processo. Eu me tornei réu! Justo eu, que nunca fiquei devendo nada para ninguém, que sempre fiz tudo certo. Eu me tornei criminosa, agora preciso contratar um advogado para me defender.

Muitas pediram exoneração na esperança de se livrarem desse processo, que nos ameaça com multa de R$ 20 mil reais, nós, mulheres, que cuidamos de mais de 20 crianças em uma sala, muitas vezes sem água. Os jornais publicaram que o prefeito nos obrigou a voltar ao trabalho, mas nós NUNCA PARAMOS DE TRABALHAR! Fomos algumas horas pela manhã até a Prefeitura, e não voltamos no mesmo dia pois o prefeito nos proibiu.

Nos trataram como criminosos, réus, como se fossemos criminosas. Muitas colegas estão com crise de ansiedade, de depressão… minha vida familiar foi afetada pois eu só falava sobre isso em casa, fiquei emocionalmente abalada, pois a gente só queria ser ouvida!

Não é essa a função de um prefeito? Ouvir a população, buscar melhorias? A gente  só estava buscando isso no dia 7 de março!

Bem, como réus, nós buscamos a OAB, e descobrimos que não tínhamos direito a um advogado pois o Sindicato era réu junto com a gente, buscamos o SISMI e ficamos sabendo que eles não poderiam nos defender pois elas não participaram dessa ação; então nós novamente estávamos sozinhas, abandonadas.

Nessa busca, conhecemos os nossos advogados, e tivemos a sorte de sermos ouvidas por estes dois profissionais. Agora, conseguimos respirar aliviadas pois temos quem nos defenda.

No entanto, eu continuo indo trabalhar e as coisas estão cada vez piores: falta cada vez mais funcionários; os pais agora só buscam as crianças após as 16h; febre só é considerada com mais de 38 graus; se ela tiver diarreia várias vezes também não pode ligar para os pais virem buscar. As salas super lotadas, as vezes com crianças especiais, ás vezes sem água na escola. E, nós profissionais, exaustas e rés em um processo.

Teve um concurso aí, passaram 14, mas este número não é capaz de suprir a demanda. A gente estressa, fica doente. Eu vejo os pais chegando para buscarem seus filhos e penso; eles nem imaginam o que acontece aqui dentro, o que a gente passa…

E nisso tudo ainda precisamos pagar a Prefeitura pelas horas que não trabalhamos na pandemia, e nos deram a opção de pagar com dinheiro, que nós não temos, através de um curso, só que eles até agora não enviaram o link para isso, e então estamos ficando horas a mais dentro da escola, o que aumenta nosso cansaço físico e mental.

E a gente ainda ouve o prefeito, em inauguração de escola, dizer que fica quem trabalha por amor. Que amor é esse que ele tem, que não ouve ninguém, que humilha as pessoas? Que amor é esse…Ele também não trabalha por amor e pois não tem nenhuma sensibilidade.

Está muito difícil para todas nós. As pessoas não têm ideia do que estamos vivendo…

Agradeço ao Jornal de Itu,  pois esta é a primeira vez que alguém nos escuta…

  • Autora anônima, com medo de (mais!) perseguições Imagem: Quadro O grito, de Edvard Munch

2 thoughts on “Carta de uma servidora municipal

  • Misericórdia!!
    Nem sei o que dizer, pois se eu disser o que penso, serei processada!!
    Espero que essas servidoras consigam amparo da Lei para resolver essa situação!!

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  • Isso é a pura verdade que acontece mesmo. Servidores são tratado com um lixo pela prefeitura. Eu mesmo exonerei, pois arrumei algo muito melhor, e aconselho se a pessoa conseguir algo melhor vai em frente. Não vai melhorar nada, e se melhorar é pouco coisa.

    Resposta

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