Escritora afirma que teve de desaprender para entender e encarar a vida como ela é

Mércia Falcini, Cadeira nº 3 da Academia Saltense de Letras, diz que mudou totalmente o jeito de pensar 11 anos depois de lançar o seu primeiro livro de crônicas ‘Conversas Entrelinhas’

A escritora e pedagoga Mércia Falcini, Cadeira nº 3 da Academia Saltense de Letras, patrono Paulo Freire, afirmou na manhã de sábado (13), durante o “Momento Literário”, espaço criado pela atual diretoria para falar de literatura nas reuniões ordinárias da entidade, que teve de desaprender a forma como pensava e como via a vida quando lançou o seu primeiro livro de crônicas “Conversa Entrelinhas”, em 2012, para entender e encarar a vida como ela é hoje depois de 11 anos, pois mudaram completamente os seus conceitos e as suas certezas nesse intervalo.

“Eu era uma pessoa moralista, imatura, que achava que tinha o controle de tudo na vida. Achava que a vida tinha de ser certa, justa. Aquela mãe que quer fazer com que tudo seja direitinho. Casamento para sempre, filhos perfeitos. O pedagogo é assim. Acha que sabe mais e julga a mãe que faz diferente, mas não é assim. Eu sou mãe de um homossexual, por exemplo. Quando ele me contou, tive muita dificuldade apesar de ter um discurso de aceitação, de inclusão. Percebi que era só o discurso. Entendi que estava só na palavra. Não era um processo interno que eu vivesse”, disse ela.

Mércia Falcini contou que saber que o filho era homossexual foi uma quebra de verdades muito forte na sua vida. Para ela, essa experiência e outras que teve como mulher nesse tempo mexeram com suas estruturas. “E aí eu entrei nesse processo de desaprender tudo o que eu tinha aprendido. Essa vivência com meu filho me levou à USP. Eu fiz um curso lá de pós-graduação na diversidade. Tive contato com uma mestra, Edith Modesto, que me mostrou pesquisas sobre o tema. Então eu comecei a mexer com esse meu aprendizado cultural internalizado, como todos, a vida é assim”.

Contra preconceito

Onze anos depois do primeiro livro e com todas essas transformações pelas quais passou, a escritora não enxerga mais naquela obra a Mércia de hoje. Ela disse que constatou isto de forma mais flagrante quando um profissional de Santana de Parnaíba passou em um concurso e foi trabalhar com ela na Secretaria de Ação Social e Cidadania da Prefeitura de Salto, pasta que ela dirige desde 2021. “Ele pesquisou sobre mim. Encontrou o meu livro e leu. Está lá desde outubro do ano passado. Um dia me falou que leu “Conversa Entrelinhas”, mas que eu não era a autora que ele leu”.

Na visão da escritora, toda essa experiência mostra que a palavra é muito mais que uma catarse. “Ela tem o poder de construir uma sociedade, de humanização. Por isso que a gente tem de tomar cuidado com ela. Não é mimimi quando usamos a palavra certa. Quando uma corrente usa, por exemplo, o todes, não é mimimi. Perguntaram a uma transsexual como ela se sentia ao ser tratada assim e ela disse: incluída. Se é para trazer alguém para dentro, por que não usar? Por que ter preconceito?”, questionou. Mércia disse que hoje sua escrita é mais suave, aberta, que mexe com a reflexão.

Responsável pela indicação do tema deste ano da coletânea da Academia Saltense de Letras, que sai em outubro com textos de 31 acadêmicos, a qual vai falar do poder das palavras escritas, ditas ou silenciadas, Mércia Falcini contou que viveu uma experiência curiosa a respeito, ao ser procurada por um americano do Texas, que pretende se mudar para Salto e descobriu os seus artigos em um site e os leu todos. “Depois eu o conheci e nos tornamos amigos. Quando eu podia imaginar que o que eu escrevi ia chegar tão longe. É para isso que escrevo. Para ser lida e entendida”.

Conversa salva

Ao final da exposição, a escritora disse que está escrevendo um novo livro para falar da mulher de 50 + e que ele vai se chamar conversa também. “As conversas criam perspectivas. Não há hierarquia nas conversas. Há conversadores. Eu acredito que o melhor jeito de resolver é uma conversa. Sempre que a gente tem algo, um problema, uma situação, é a conversa que dá conta. A conversa salva. Se sentar e olhar nos olhos e falar o que gente sente é a única forma de resolver os conflitos da vida”. Depois, Mércia leu um texto da psicopedagoga e escritora Isabel Parolin sobre o tema.

A presidente em exercício da Academia, Marilena Matiuzzi, Cadeira 39, patronesse Cora Coralina, que substituiu a presidente Anita Liberalesso Neri, Cadeira 11, patrono Odmar do Amaral Gurgel, que está em viagem, disse que Mércia sempre foi respeitada pela sua defesa do social e agora será também pelo testemunho de mãe. Décio Zanirato, Cadeira 22, patrono Fernando Pessoa, disse que se surpreendeu com a palestra. “Conheci a Mércia explosiva de antes e agora fiquei surpreso com sua fala calma e com esse imponente testemunho de vida. Você está certa ao defender a conversa”.

Cynara Lenzi, Cadeira 18, patrono Dante Alighieri, que também trabalhou como professora na rede pública de Salto, disse que Mércia Falcini está certa. Conversa funciona. Ela contou que fazia um dia de roda de conversa com os alunos toda semana e eles gostavam tanto que pediam sempre”. Rose Ferrari, Cadeira 38, patrono Mário Quintana, que foi a editora do primeiro livro de Mércia, afirmou que ficou contente de a autora não se reconhecer naquele livro. “A gente muda muito e a crônica é uma expressão que fala com outras pessoas. Se ela não tocar o coração, não tem sentido”.

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