Especial Dia dos Namorados: amor por procuração

“Amor de perto, amor de longe. De longe também se ama?”, indaga uma poesia escrita por nosso leitor Álvaro Catelan. Não só se ama como se casa. Neste Dia dos Namorados, contamos histórias (com finais surpreendentes!) de casais que se uniram em matrimônio através de procuração.

O casamento deste modo existe desde a época do Império: Dom Pedro I e Dom Pedro II se casaram por procuração. Este tipo de matrimônio é permitido pelo artigo 1.542 do Código Civil: “O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais”.

Os poderes especiais podem ser a paciência de uma espera ao viver ao lado de quem se ama, em tempos tão imediatistas, em que amores começam e terminam tão rapidamente, o amor líquido, que tanto nos fala o filósofo Zigmunt Bauman.

Tinder, Canadá e um casamento “ilegítimo”

Uma das características destes relacionamentos fugazes é o Tinder, mas aqui ele foi um aplicativo que deu certo. Foi lá que em julho de 2017, Thiago, 33 anos,  e Nathalia, 31,  se encontraram. No mês seguinte, se conheceram e ele já se apaixonou. Após terminar um relacionamento estava pronto para uma nova paixão, enquanto ela, após sair de um relacionamento tóxico, não queria nada mais profundo.

Entre encontros e desencontros, ela percebeu que queria realmente ficar ao lado dele quando isto já não era mais possível: sua família, irmão e avó,  estavam migrando para o Canadá, onde sua mãe já vivia com um companheiro há alguns anos. A ideia era de que Thiago iria logo depois. Um dos passos foi se unirem em matrimônio através de procuração, com ele casando-se com a própria mãe, no dia 14 de setembro de 2019.

Porém, a pandemia chegou e fez com que eles ficassem mais dois anos vivendo a distância, aguardando o reencontro. Vencendo a diferença de fuso horário, Thiago e Nathalia falavam-se sempre que possível, em vários momentos do dia. Tocavam instrumentos e cantavam juntos, faziam faxina, cozinhavam, faziam refeições, andavam de ônibus e de bicicleta, faziam exercícios – ela lá e ele cá. Quando a mãe de Nathalia ia e voltava do Brasil, sempre levava e trazia surpresas de um para o outro – comidinhas, cartinhas, desenhos, roupas.

O reencontro físico foi apenas por um mês, em julho de 2021, e ela retornou ao Brasil em dezembro do mesmo ano, na certeza de que no ano novo que se aproximava ficariam, finalmente, juntos, vivendo no Canadá. E em fevereiro de 2022, a notícia mais esperada chegou: a aprovação da residência permanente do casal! Thiago estava há 3 anos preparando-se para esse momento: arrumou as malas e  vendeu todos seus pertences. Nathalia e sua família prepararam-se para receber Thiago.

No entanto, após 37 dias de extrema felicidade, o casal recebeu um e-mail onde o departamento de imigração canadense se desculpava pelo seu erro e dizia que a residência de Thiago na verdade não estava aprovada, somente a de Nathalia. A razão para a recusa era que o casamento havia sido por procuração, o que o Canadá não considera válido para fins de imigração.

Os dias que se seguiram a esta notícia foram dos mais difíceis da vida do casal: ver seu sonho que estava tão próximo de ser realizado desvanecer-se. Nathalia recorreu a seus amigos no Canadá, que escreveram cartas a uma deputada federal, pedindo que ela intercedesse pelo casal junto à imigração. Todas as respostas foram negativas e a perspectiva de Thiago mudar-se para o Canadá foi adiada em mais dois anos.

Exauridos da espera, a única solução foi Nathalia voltar a viver um tempo no Brasil, vivendo intensamente cada momento, pois como residente do Canadá ele precisará retornar para aquele país. “As dificuldades nos uniram mais ainda”, diz Thiago, certo de que conseguirão chegar ao fim dessa jornada vivendo juntos no Canadá, e neste 12 de junho curtem o primeiro Dia dos Namorados juntos, fisicamente.

Cuba, aulas de espiritismo e gênios fortes

Os dois lembram bem: era 15 de dezembro de 2019 quando se falaram pela primeira vez, através da Internet. Uma colega em comum passou o contato deles para se falarem. O assunto eram aulas de Espiritismo para adolescentes: Érica, 45 anos, e Ramon Leandro, 33, ministravam instruções religiosas para jovens. Ele, em Cuba, ela, em Itu.

Passaram a se falar diariamente, por horas e horas. Ele, após 15 dias, colocou em seu status no Facebook: “novio”. “Todo mundo assustou, mas quer dizer namorado”, conta Erica. O relacionamento virtual tinha data para se tornar real: Ramon queria vir ao Brasil, conhecê-la, logo em seguida. A pandemia mudou os planos e, com os aeroportos fechados, foram mais milhares de horas via Internet. “Eu passava noites em claro, conversando com ele. Mas havia momentos em que eu achava que estava louca, que ele não existia de verdade. Eu ouvi de tudo, até que ele só queria dar um golpe”, recorda. “A única pessoa que nunca me criticou foi a dirigente do centro espírita que eu frequento, o Reviver. A Cida sempre me disse: “ouça o seu coração”.

E foi o que ela fez quando, um ano depois, em fevereiro de 2021, casou-se com um colega, que representava o, agora, realmente, noivo cubano, através de procuração, sem nunca tê-lo visto pessoalmente. A amiga Cida foi madrinha.

“Eu nunca imaginava um relacionamento assim, nunca pensei em vir para o Brasil. Vive momentos de angústia esperando conhecê-la pessoalmente”, diz ele. O encontro, real, aconteceu apenas em outubro do ano passado, quando ele chegou ao Brasil para viver ao lado daquela que, judicialmente, já era sua esposa.

A conexão real foi a mesma virtual. E, religiosos, receberam da espiritualidade uma mensagem assertiva. “No dia em que ele chegou, fomos fazer o Evangelho do Lar, mesmo sendo as 3h da madrugada. Abrimos o Evangelho e a mensagem era: Não separem o que Deus Uniu”.

“Eu sentia que eu já o conhecia desde o primeiro dia que conversamos on-line”, diz Érica. Porém, ela nunca tinha vivido ao lado de alguém, e ele já. “Em Cuba, é comum namorar alguns meses e ir morar junto em seguida”, explica Leandro. “Eu tenho o meu jeito de impor minhas vontades, e a Érica também, sempre foi independente e queria tudo do jeito dela. Mas isso é normal, eu acho que precisamos nos adaptar ao jeito um do outro”. Para Érica, o relacionamento real fez ela lidar com o melhor e pior de si mesma. “Ele se preocupa comigo, chora minhas dores comigo, eu nunca tive isso, mas ao mesmo tempo eu preciso ceder, deixar o orgulho de lado…” Mas o relacionamento, que é o primeiro Dia dos Namorados dos dois, tem também muita alegria, com direito a dancinha no Tik-Tok.

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