Gratidão

“A gratidão não é somente a maior das virtudes; é também mãe de todas as outras”

                                                           Cícero – orador romano sec. I a.C.

       Alguns meses atrás, neste mesmo espaço, fiz uma breve introdução aos conceitos de amizade e amor, salientando naquela oportunidade que a gratidão, juntamente com eles (amizade e amor), formava uma tríade dos mais nobres sentimentos humanos e prometia – escrevi –, para outra ocasião, fazer uma abordagem também sobre ela. Entretanto, não contava com um pequeno, mas importante senão.

Por mais que pesquisasse me deparei com material bibliográfico muito escasso, pobre mesmo, para apoiar minha dissertação, sobretudo em obras da filosofia. Muito tem sido escrito sobre graça, mas não sobre gratidão. Porém, não deixarei de cumprir com o prometido. Como graça e gratidão têm uma proximidade muito grande – não é semelhança – vou explorar essa contiguidade e pô-las frente a frente e daí elaborar um conceito pessoal. Para começar os verbetes têm a mesma raiz no latim.

 Enquanto graça vem do latim do século XIII gratia, gratidão tem origem no latim chamado tardio do século XVII, gratitudo. Não obstante, o significado original da primeira é favor, benção, enquanto o da segunda é agradecimento. Torna-se bastante axiomático que a segunda dependa da primeira, sem a qual não existiria. A Bíblia, livro sagrado do cristianismo, apresenta-nos inúmeros exemplos de graça, contudo poucos de gratidão.

Na narração mais emblemática está aquela em que Cristo cura dez leprosos e só um deles, depois de se apresentarem ao sacerdote, retornou para agradecer ao Senhor Jesus. Gratidão é, na verdade, uma virtude não muito comum, especialmente quando se trata de prosperidade, seja profissional, econômica, política, social e certos benefícios entre outros. Há os que fazem favores objetivando retorno, não é por esse ângulo que faço minha abordagem.

Minha abordagem é a daqueles que despretensiosamente ajudam o semelhante sem o interesse de ter qualquer retribuição. Nesses casos o retorno da gratidão é ínfimo. Quantos foram auxiliados para galgarem posições profissionais e que agradeceram com a gratidão aos seus tutores? E aqueles que tiveram a oportunidade de prosperar econômica e financeiramente e que tiveram a virtude de ter uma palavra de agradecimento? Na política talvez seja onde menos se percebe tal dimensão, às vezes até pelo contrário nela, tornam-se adversários de seus benfeitores.

Assim é também na ascensão social. Vista dessa forma, a graça deve ser apartada do seu conceito teológico e trazida para uma avaliação puramente temporal. Na sociedade moderna, na luta por espaços, as pessoas buscam ascensão com todas suas armas quando, muitas vezes, a ética dá lugar aos mais sórdidos recursos. Para essas criaturas a gratidão é totalmente ignorada, uma desconhecida.

 Atropelam princípios, costumes e pudores, pois miram exclusivamente os fins, não se importando com os meios.  Felizmente, eles não parecem ser a maioria. Enquanto isso há os que preservam todos esses conceitos e se digladiam com os mais nobres recursos pessoais na busca da consecução dos seus objetivos e sonhos. Todavia, aí vem a questão da gratidão. Não é porque essas pessoas foram honestas e éticas na busca da sua realização pessoal que agradecem àqueles que contribuíram para sua ascensão.

O benfeitor de modo geral não espera algum reconhecimento. É uma atitude de puro altruísmo. Se eventualmente ocorre o reconhecimento, certamente, se sentirá satisfeito por ter contribuído para o sucesso da pessoa. Por último, avaliando o desenvolvimento ético/educacional de um ser humano, salta aos olhos que com honrosas exceções a gratidão é um aprendizado que começa no lar, na tenra idade.

Os progenitores educando didaticamente seus filhos e induzindo-os, desde cedo, a dizerem muito obrigado, por favor, a qualquer cortesia ou ajuda recebidas estarão encaminhando suas crianças para uma postura exemplar, no futuro, como adultos. É interessante notar que a gratidão é uma ação plena de espontaneidade, não se trata, por consequência, de uma atitude da razão mas da virtude, que segundo conceitos platônicos é da natureza da alma e como tal totalmente subjetiva.      

Éden Santos, escritor

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