Lixo atômico está ao lado de nascentes e bacia hidrográfica do município
Desde que o material radioativo chegou no município de Itu, muita coisa mudou. As leis ambientais nos últimos quase 50 anos ficaram muitos mais rígidas.
Desde 1991, a região em que está o lixo se tornou uma Área de Preservação Ambiental. Na época, também criou-se o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Condema).
A sua primeira presidente foi a professora Beatriz Pionti, quem divulgou a primeira notícia sobre o material radioativo no local. Em 1990, ela fez o alerta de que havia uma contaminação em um poço a 150 metros de distância do depósito.
O Jornal Urtiga, de 1994, relata que “nada aconteceu. Pior: a Cetesb aumentou intervalos de monitoramento, exceto no poço do caseiro em Botuxim. Mais recentemente, nova contaminação foi detectada no local, motivando novos trabalhos pela Curadoria do Meio Ambiente, que – junto à Aipa – estuda como exigir providências para garantir segurança da população e do ambiente em geral.”
A Cetesb não é mais responsável pelo monitoramento do local.
ItuGeo
A área em que está o lixo atômico está no mapa (área verde clara), no sistema de ferramentas geográficas do município, o ItuGeo, lançado neste ano.
Pela plataforma, é possível constatar que próximo ao local existem diversas nascentes de água, uma ao lado do próprio terreno, e diversas ao redor (pontos azuis).
Nesta imagem, é possível ver a bacia hidrográfica do município.
Monitoramento
O Programa de Monitoração Radiológica Ambiental prevê a monitoração da quantia de exposição à radiação ionizante, da água de superfície, água subterrânea, água potável e sedimento.
A INB (Indústrias Nucleares do Brasil), responsável pelo local, explica que “as medidas da radiação ionizante são com dosímetros em 15 pontos e em dois blocos: nos limites da instalação e nos limites da área dos silos de estocagem de Torta II. Eles são substituídos trimestralmente e encaminhados para análise em laboratório contratado”
Há um pluviômetro instalado numa área livre da unidade e quando há chuvas, a água é coletada no período da manhã e encaminhada para medição do volume e cálculo do índice pluviométrico.
Anualmente, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), Secretaria de Meio Ambiente do Município de Itu (SMA-Itu), Defesa Civil do Município de Itu e a Companhia Ituana de Saneamento (CIS) recebem relatórios dos resultados para análise e estudo.
Incidência de câncer
Na época em que tentou que o lixo fosse embora do município, o ex-prefeito Lázaro Piunti chegou a afirmar que o número de pessoas com câncer no município era bem maior como efeito de uma possível radioatividade do local. “Na época, monitorávamos a água, nunca houve nada, mas e agora?”
Apesar do número de mortes pela doença não ser precisamente um recorte do número de pacientes, visto que imaginamos que com a modernidade e mais acesso a tratamentos, um maior número de pacientes oncológicos sobrevive, fizemos um paralelo de óbitos pela doença em Itu e Salto para constatar se os números eram discrepantes entre as duas cidades, e também em dois anos distintos: em 1979 e há dois anos.
As informações são do INCA (Instituto Nacional de Câncer) que não dispõe de números de casos de câncer diagnosticados, mas disponibiliza dados de vítimas fatais da doença por meio do Atlas da Mortalidade por Câncer.
Os números são do DATASUS (sistema que reúne as informações do Sistema Único de Saúde) e a atualização mais recente é de 2020.
Em 1979, ocorreram 65 mortes por câncer entre homens e mulheres em Itu. Já em Salto, foram 33 mortes. Na época, Itu, tinha cerca de 61.859 mil habitantes. A cidade vizinha possuía 28.523 habitantes. Ou seja, uma morte para cada 951 habitante ituano e uma morte para cada 864 habitante saltense.
Em 2020, Itu possuía 175.568 e ocorreram 200 mortes por câncer entre homens e mulheres. Já em Salto, foram 154 mortes em uma região com 119.736. Ou seja, uma morte a cada 877 ituano e uma morte a cada 777 saltense. O índice diminuiu e é similar.
Isto mostra que não parece haver uma maior incidência de vítimas da doença em Itu, pois as mortes por câncer se mantiveram em um índice proporcional neste período de 41 anos nas duas cidades.
Especialista
O especialista em Proteção Radiológica e Segurança de Fontes Radioativas, André Prado, explica que o conhecido popularmente lixo atômico abrigado em Itu “trata-se de um local de exploração de terras raras, que como subproduto gera urânio e tório (esses dois últimos são radioativos). O material natural está fora do controle regulatório, pois é NORM (material radioativo de ocorrência natural). O problema é que quando o NORM é manipulado de alguma forma, esses materiais radioativos se concentram, passando a se chamar TENORM (material radioativo de ocorrência natural tecnologicamente concentrado) e, para esses existe um controle bem rígido ”, destaca.
“O grande risco para a população é a exposição aos níveis de radiação, que podem ultrapassar muito os limites estabelecidos pela CNEN e, tão ou mais importante, a contaminação que pode ocorrer pela inalação ou ingestão desse material. Caso o material radioativo não esteja armazenado da forma adequada, pode haver lixiviação ou seu espalhamento para o meio ambiente, aí as consequências são gravíssimas! ”.
Monitoramento
A Assessoria da INB explica que a monitoração da água de superfície, subterrânea e potável existe em 13 locais, dentro da área da unidade e fora dela, trimestralmente, com medição de parâmetros físico-químicos (pH, condutividade elétrica, potencial de oxi-redução, temperatura, oxigênio dissolvido, sólidos totais dissolvidos e turbidez), químicos (concentração de sódio, potássio, cálcio, flúor, sulfato e fósforo) e radiométricos (concentração de urânio natural, tório, rádio-226, rádio-228 e chumbo-210).
A INB mantém o Programa de Coleta Conjunta de amostras de água e sedimento, e compara os dados nos relatórios anuais. “Os resultados demonstram que o depósito da INB não altera os níveis de radiação nos mananciais”, diz a assessoria.
Os pontos monitorados são:
• – Ribeirão Monjolinho, a montante do Sítio da INB (Ponto de Controle);
• – Ribeirão Monjolinho, no terreno da INB;
• – Água de um pequeno córrego, afluente do Monjolinho, que nasce no terreno da INB, próximo aos depósitos da Torta II;
• – Ribeirão Monjolinho, a jusante do sítio da INB;
• – Captação de água de abastecimento na válvula de nível do depósito Bairro Rancho Grande, Companhia Ituana de Saneamento (CIS), Itu;
• – Poço que abastece a casa sede do sítio (água subterrânea);
• – Na Companhia Ituana de Saneamento – CIS, água tratada distribuída à população de Itu;
• – Ribeirão Monjolinho no caminho do Camping Santa Fé
• – Água de nascente do Sítio São Pedro;
• – Ribeirão Campininha, em outra vertente da bacia (Ponto de Controle);
• – Piezômetros no entorno do depósito de Torta II;
• – Piezômetros no entorno do depósito de Torta II e
• – Piezômetros no entorno do depósito de Torta II.
Entramos também em contato com a Prefeitura de Itu, mas não tivemos retorno.
Transformação digital
Nossa série de reportagem já falou sobre as questões políticas que envolveram o tema nestes quase 50 anos , o que é o lixo e quem cuida; e sobre a comunidade que mora próxima.
Esta reportagem tem o apoio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), do Meta Journalism Project e do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ).
(Texto e fotos: Rosana Bueno)
Corrigindo a redação sobre o lixo atômico de Itu, reportagem de Rosana Bueno em 07/12/2022..
Ola .. Gostaria de fazer um parênteses aqui corrigindo a notícia que embora a primeira presidente do condema tenha sido minha querida tia, professora e vereadora de Itu Beatriz Pionti Christofoletti, ela não foi a divulgadora na ocasião do material radioativo de Itu .. O divulgador e então perseguido por tal denuncia na ocasião, foi meu pai e irmão dela, o Excelentíssimo Professor Benedito Amauri Christofoletti, então Vereador também pela cidade de Itu, de modo que somente a partir de tal denuncia e apoio posterior do Prefeito Olavo Volpato, conseguiram que a USP viesse fazer a avaliação da problemática, pois haviam suspeitas da chegada deste material em Itu e sua má proteção (sem as valas necessárias para acondicionamento do material radioativo que aqui depositaram …
Sem dúvidas, eu estou aqui para denunciar também a má fé de pessoas que descrevem o fato, sem averiguar a verdade!!!
Yara, obrigada pela sua colaboração!
Não houve má fé da parte de ninguém, citamos sim o seu pai e você mesmo pode constatar: esta matéria faz parte de uma reportagem com quatro partes, se você ler todas vai entender melhor o contexto. Inclusive, se você ler por completo, vai também entender que este texto foi apoiado pela Abraji, Meta e ICFJ, e ao reportar mais de 40 anos de história, é fato que não conseguimos falar com detalhes de cada ação…