O Silenciar Dos Tambores…

          Chegou o Carnaval? Chegou o feriado? Mas não estou escutando nenhum tambor…… estou vendo praias lotadas, bares lotados, estádios lotados, igrejas lotadas, shows de famosos lotados, festas do agronegócio lotadas, festas residenciais lotadas…….. mas continuo não ouvindo os tambores……. mas se todo tipo de aglomeração foi proibida, por que só o carnaval foi cancelado??? É hipocrisia que chama né??? Eu não sabia que a Covid-19 e a H3N1 só gostam de samba. Obviamente somos a favor do controle sanitário, mas não entendo essa pressão popular, seletiva, tomando conta das redes sociais e das mentes de algumas pessoas execrando, marginalizando e satanizando apenas o carnaval.

          Para além de acontecer ou não o carnaval, que ainda é a maior festa popular do país, o que realmente me preocupa, é o banimento, é a discriminação e o preconceito velado tentando dizimar a nossa maior expressão cultural afro-brasileira.   

          Todos sabemos que a expressão cultural de um povo, como costumes, crenças, valores, e a transmissão de saberes, é a grande responsável pela formação e construção da identidade de uma nação. Temos que lembrar que quando nos referimos ao carnaval ser um evento cultural, definição que é questionada pelos críticos da internet, mostrando nada conhecerem sobre a definição em si da própria palavra, está diretamente ligado a esses mesmos hábitos e costumes, que desde o final do século XIX já se faziam presentes nos cordões e ranchos, e posteriormente a partir de 1920, nas escolas de samba, suprindo a demanda popular que não tinha condições financeiras para brincar o carnaval nos famosos bailes de máscaras realizados nos grandes salões e frequentados somente pela elite. Sob o clarão da lua, as ruas foram tomadas por um povo que não se importava com a condição social, raça, credo, gênero, origem de ninguém, pois na rua somos todos iguais.

          Recorrendo a história, achei extremamente curioso, os Estados Unidos não usarem tambores em sua música, diferente dos outros países que tiveram mão de obra escrava vinda da África. Onde foram parar os tambores e a batucada??? Se todos os escravos saíram praticamente dos mesmos lugares e nações da África, naturalmente com algumas diferenças regionais, mas tendo em comum o tambor como instrumento musical e de comunicação, porque temos samba e os “gringos” não??? Pesquisando sobre o assunto, encontrei que em 1740, o governo da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, baixou o “Ato Negro” que trazia uma série de proibições absurdas, onde os escravos não podiam plantar seus próprios alimentos, não podiam aprender a ler e escrever, não podiam se reunir em grupos, não podiam usar boas roupas e lógico não podiam bater tambores ou qualquer instrumento de percussão. Essa proibição se espalhou pelo país rapidamente, e só foi abolida após a guerra civil, 126 anos depois, comprometendo 3 gerações que não puderam “bater os seus tambores”. Coincidências a parte, sendo os Estados Unidos uma ex-colônia britânica, a grande maioria da população que ocupou aquelas terras, pertencia às igrejas protestantes que rechaçava veementemente os hábitos e costumes dos escravos, não permitindo sequer, uma forma de sincretismo, como a ocorrida aqui em nosso país.  

          Com o crescimento exponencial das igrejas Neopentecostais no Brasil, e por consequência aflorando o extremismo religioso, contagiando até outras denominações e exercendo forte pressão nos governantes , fica cada vez mais nítida, que as “intensões”, sejam exatamente as mesmas, silenciar os nossos tambores, pois o carnaval assim como os desfiles das escolas de samba e o nosso folclore, estão sendo cada vez mais ameaçados pela intolerância desses extremistas que nada valorizam na nossa cultura popular e na nossa riqueza folclórica. E por representarmos talvez a única coletividade ainda não esfacelada pelo sistema,  naturalmente temem a voz e o som dos tambores que ecoam das comunidades periféricas e das escolas de samba bradando por mais justiça, igualdade, respeito, equidade e democratização da cultura, hoje  controlada por uma “indústria” mediática que só visa lucro, dominação, alienação e massificação da sociedade, com a máxima “ter é mais importante do que ser”.

          Posto isto, naturalmente ando bastante preocupado com o rumo que as coisas estão tomando, pois sucessivamente, a cada dia, estamos nos tornando um povo sem memória, sem valores, destruindo e dizimando a nossa origem e o legado dos nossos antepassados. Porém, entendemos que o meu direito acaba quando começa o do outro, sendo assim qualquer pessoa tem a liberdade de não gostar de carnaval, mais enquanto cidadão, tem o dever de respeitar quem gosta.

          E é isso, como todos sabem, sou responsável por entidades carnavalescas, acreditando representar a RESISTÊNCIA do samba e do samba da escola de samba, trazendo e empunhando os nossos pavilhões, que nunca deixaram de sair na avenida, e trazendo as bandeiras cantadas por Alcione, “Não Deixe o Samba Morrer” e por Nelson Sargento, “O Samba Agoniza, Mas Não Morre”, e lógico, vislumbrando e admirando a imagem eternizada pelo Mestre Cartola impedindo que a polícia parasse o ensaio da Mangueira, Verde e Rosa que inspirou as cores do pavilhão da nossa Mocidade Independente de Itu, Salto e Sorocaba. Tenho orgulho de ser brasileiro, e encontrar no samba uma das minhas maiores fontes de inspiração, e como dizia o poeta, ”quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé!”

*Marcelo Mello é músico, compositor, intérprete, carnavalesco, formado em eventos e pós graduando em história e geografia

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