Uma mulher de princípios

  Eden A. Santos

IV

            Aí ela se lembrou de que ele estivera em sua casa uma ou talvez duas vezes. Deslizando o polegar na tela, visualizou outras fotos em que aquele rapaz aparecia e nas quais ficava a impressão de que eram amigos. “Meu Deus o que esse cara faz aí, numa selfie com Serguei? Em algumas delas, todos sorrindo, com um copo de cerveja nas mãos, pareciam ser amigos. Pelo que deduzira no fatídico acidente, aquele cara era bandido”. Sasha sentiu-se totalmente atabalhoada e perdida. Sem saber o que fazer, desligou o celular. Com ele na mão imergiu em pensamentos os mais atarantados possíveis. “Seu irmão saberia de quem se tratava aquele cara”? Teria sido um deles? Voltou ao aplicativo Galeria em busca de outras fotos e, nalgumas delas, fora da praia, já na cidade, novamente o rapaz aparecia. Uma chamou-lhe a atenção: estava o moço, Serguei, um cara altíssimo, e um senhor com poncho cinza com cara de boliviano, sorridentes, numa calçada vendo-se lá atrás, uma placa de loja onde se lia Herrera Cruz. Era um título em castelhano. Pelos carros, as pessoas e a arquitetura podia-se deduzir que não era em nosso país.“Mas se eles eram no mínimo amigos, que tremenda fatalidade teria levado o tal personagem a matar Serguei, de modo tão estúpido? Claro! O acidente não fora planejado. Foi um acaso. Um maldito acaso”. Pensou Sasha.

            – Mãe alguma vez Serguei viajou para o exterior? Eu não me lembro de nenhuma.

            – Lembra quando você foi visitar sua avó? Ele esteve uma semana na Bolívia.

            – Ele nunca comentou nada comigo.

            – Filha, você ficou um mês e meio, nas suas férias, fora de casa. Com certeza, quando você voltou da viagem esse fato já deveria ter sido esquecido por ele.

            – Não mãe! Ele me contava tudo.

            – Por que essa preocupação agora, Sá?

            – Por nada mãe –. Sasha preferiu não comentar com a mãe, ainda abalada, com notícias estranhas. Preferiu guardá-las para si. Oportunamente ela procuraria saber quais relações seu irmão tinha com aquele jovem.

            E foi o que procurou fazer no dia seguinte dirigindo-se à delegacia do bairro para conhecer os detalhes do acidente e ter, quem sabe, mais informações que pudessem tornar clara aquela obscura situação. O que não lhe foi difícil conseguir, primeiro, porque apesar de ser menor e ter dezessete anos, seu porte aparentava ter mais; segundo, pelo laço de parentesco com a vítima; terceiro, pela inegável beleza à qual ninguém negaria um simples BO. Lendo-o, pediu ajuda do escrivão para explicar o que significava homicídio doloso. “Trata-se – disse ele – de um crime em que a pessoa não pode desconhecer o risco, ao imprimir alta velocidade ao seu veículo”. Referindo-se aos criminosos. “Posso fotografar com meu celular”? Indagou Sasha apontando o documento. O escrivão pensou bem e disse “Não, é melhor você anotar o que deseja”. “Pode me arranjar, por favor, algo em que possa escrever”? “Claro. Deixe-me arrumar um papel”. Com extrema agilidade entregou à Sasha papel e esferográfica. “Por que a polícia os perseguia”? “Senhorita, isso já faz parte de outra delegacia onde os meliantes estavam sendo investigados. Infelizmente não tenho essa informação. Vou lhe dar a delegacia onde está correndo a investigação. Lá a senhorita obterá essas informações”. Sasha anotou tudo e, agradecendo, foi para casa. O nome do rapaz que ela queria saber era Pablo Herrera.

                                                                       V

            Agora, precisava apurar as relações de Serguei com o tal de Pablo Herrera, o moço da fotografia e protagonista do acidente. No dia seguinte foi o que fez. Obsequiosos, os funcionários da delegacia indicada atenderam a Sasha com a mesma cortesia dos seus colegas anteriores. Frustrada, ela não teve qualquer informação que pudesse solucionar ou induzir à solução do enigma das relações do irmão e Pablo Herrera. “Por que eles estavam sendo procurados”? “Senhorita, esse assunto é confidencial, porque está implicado um filho de diplomata estrangeiro. Sinto não poder ajudá-la”. “Ok! Agradeço de qualquer maneira”. “Seria o tal Herrera filho de diplomata? Bem! Ela apuraria. Se havia algo que ela precisava e deveria fazer era esclarecer aquele imbróglio, pela simples e boa razão que nele ela perdera seu irmão. Poderia pedir a ajuda de um ou mais irmãos, contudo eles todos tinham seu trabalho, suas obrigações e compromissos, além do que, dois deles eram casados”, virando as costas encaminhou-se para a porta de saída quando ouviu “Senhorita! Senhorita!” Girando o corpo percebeu que quem a chamava era o mesmo funcionário que a atendera. “Pois não senhor”. “Resolvi dar-lhe uma dica, embora não lhe possa mostrar o BO. Aqueles rapazes respondem pelo crime de tráfico de drogas e roubo de carros, todos com mandados de prisão. “Por quê, mas por quê mesmo, Serguei tinha amizade com aquele cara, ou aqueles caras”? Era a pergunta que martelava sua cabeça. “Mais – acrescentou – o caso está sendo relatado como uma perseguição de suspeitos que, ao serem abordados e recebido a ordem de parar, ao perceberem que era a polícia, aceleraram dando início à perseguição que acabou dando no que deu. Importante – pensou – o veículo que estavam usando era um carro de luxo roubado havia poucas horas”. “Senhor, sou muito grata pela sua consideração e cortesia”.

            Sasha, algumas semanas depois, mergulhou nos manuais preparativos para o vestibular que se avizinhava. Agora, mais do nunca, estava firmada a convicção de fazer direito e prestar concurso para delegada de polícia, um sonho anterior que nunca mudara. Não queria ser delegada para trabalhar em gabinetes. Queria ir para a rua caçar bandidos. Seria, agora, sua forma de vingar a morte do irmão, uma idéia de que de vez em quando lhe passava pela cabeça, mas que agora tornara-se obsessão. Ela não tinha ainda muito claro as alternativas que idealizassem o futuro, porém tinha uma certeza, jamais olvidaria ter o conhecimento do passado. Esse seria o indutor da sua vontade doravante. Momentaneamente, contudo, por força de seus estudos e na falta de recursos, monetários ou materiais, fez com que a investigação sobre os assassinos de seu irmão tivesse uma pausa.

(Semanalmente, o Jornal de Itu publica este romance por capítulos. Acompanhe! Para ler os anteriores, clique aqui)

  

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