Pedrão, o bom cristão

O aumentativo no seu nome não era mero acaso. Pedrão tinha 1,90m de
estatura e corpanzil de halterofilista. Pedreiro de mão cheia, na pequena vila de Rutilândia era conhecido e estimado por todos.

Evangélico, agora nutria um celibato que dizia ser inspirado em Jesus Cristo. Isso era o que dizia. A verdade, contudo era bem outra. Pelo menos metade das casas de alvenaria na vila tinha sua marca. Construções despojadas, porém sólidas que apesar de simples eram robustas. Seu temperamento tolerante fazia com que não possuísse inimigos.

No trabalho ele, pela sua própria força, induzia que seus dois auxiliares Santo e Durval se desdobrassem, o que era subentendido pelos
rapazes, para trazer os tijolos e massa a tempo para o devido assentamento.
Naqueles tempos ainda não havia os blocos de cimento muito popularizados hoje. Os tijolos eram de puro barro de peso considerável, o que não era problema para Pedrão, com seus braços fortes e vigorosos. Residia numa casa singela de apenas um quarto, cozinha e banheiro, ratificando o ditado popular muito citado naqueles tempos: “em casa de ferreiro, o espeto era de pau”.
Dizimista convicto, a cada recebimento por seu trabalho, primeiramente
separava o dízimo e a remuneração dos seus auxiliares, ficando com as
sobras. Estudara muito pouco, em razão do falecimento de sua mãe no seu
parto e do pai por febre amarela quando tinha 5 anos. Foi criado por uma alma caridosa.

Pedrão não possuía vícios, não fumava, não bebia e se algum
costume tinha, e eram dois, um o de pescar nas manhãs de domingo no
ribeirão a uns dois quilômetros da vila e outro o de frequentar os cultos
dominicais. Aos domingos de manhã via-se Pedrão, na sua velha caminhonete alaranjada levando o puçá, varas, uma lata com minhocas e um pequeno estojo onde estavam linhas e anzóis. À noite lá estava seu veículo estacionado à frente da igreja e Pedrão, sobraçando sua Bíblia já meio amarfanhada, entrando na pequena paróquia evangélica, cujo pastor vinha da comarca para a pregação dominical.

Pedrão era um cristão. A moça, a única em sua vida, Vitinha, o levara a freqüentar os cultos dominicais e ele, certo dia, resolveu ser batizado o que ainda não havia acontecido. Tornou-se membro da pequena comunidade. Nem o fato de Vitinha mais tarde tê-lo abandonado e trocado por
outro rapaz, recém chegado à Vila para trabalhar na sub-prefeitura local, o fez abandonar a freqüência assídua à igreja. Na verdade essa era a real opção celibatária: a decepção com o abandono de Vitinha.

Essa monótona rotina, certo dia, sofreu uma ruptura dramática. Aliás, certo dia não, certa noite. Era verão e aquele domingo tivera um sol abrasador. Pontualmente Pedrão dirigiu-se para a paróquia. Nesse comovente cenário havia uma insólita particularidade. Pedrão acomodava-se no último banco da igreja e, ao começar o sermão, costumava cair num profundo sono. Só era despertado quando o pastor, religiosamente, encerrava o culto com um hino conhecido de todos: “Desperta!”.

Pedrão acomodou-se no lugar habitual. Se algum irmão percebia
aquela inusitada situação, simplesmente a ignorava pelo apreço àquela figura tão simplória e benfazeja. Lá pela metade do sermão a energia elétrica acabou,mergulhando a igreja numa escuridão total. O pastor, então, convida a
congregação a cantar o conhecido hino de encerramento dos cultos:
“Desperta!”. Ao mesmo tempo solicitava ao presbítero Estêvão que buscasse
os lampiões nos fundos da paróquia. Conduzida pelo pastor toda a igreja
começou a entoar o hino. Pedrão, nesse momento acorda imaginando que o
culto havia se encerrado. Ao esfregar os olhos e nada enxergando, enquanto a congregação cantava, Pedrão desesperou-se e começou a gritar “MEUS
IRMÃOS ESTOU CEGO! CEGO MEUS IRMÃOS! ME SOCORRAM! A
congregação, surpresa, cessou o canto, quando, então, chegou o presbítero
com um dos lampiões acesos.

Só então Pedrão tomou conhecimento da
realidade dos fatos, enquanto os irmãos entre incrédulos e surpresos tinham os olhos voltados para ele. Após alguns segundos todos estavam inteirados do que acontecera. Pedrão não esperou o término do culto e envergonhado retirou-se.

No dia seguinte, sua vizinha estranhou em não ver logo cedo o calhambeque de Pedrão. Achando que ele havia ido mais cedo para o trabalho, foi cuidar de seus afazeres. Acontece que à tarde ele também não retornou.
Nem naquele e nem nos outros dias. Simplesmente, na calada da noite, juntou seus poucos cacarecos, jogou na carroceria da caminhonete e tomou um destino ignorado até os dias de hoje. Em vão o procuraram em todos os
lugares possíveis, até no cemitério. O homem desaparecera como se fosse
fumaça. Todos entenderam sua decisão, mas diziam uns para os outros “Não precisava de tanto”.

Éden A. Santos – Escritor, pequeno empresário e ex-professor universitário.
*Conto baseado em fatos reais.

One thought on “Pedrão, o bom cristão

  • Bem brasileira a história do Pedrão escrita pelo Prof. Eden Santos, parabéns, gostei muito

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