Uma mulher de princípios

– Quando amam, as mulheres põem algo de divino no amor, e esse amor é como o sol que anima a natureza.                                    

Plutarco – filósofo e historiador grego

Uma singela homenagem às mulheres.

O autor    Éden A. Santos                                                          

Segunda Parte

                                                                        II

          Sasha sempre teve a proteção intransigente de seus irmãos, fosse em casa, fosse na rua, principalmente nesta última, na qual arrumaram muitas brigas para defendê-la de assédios. Por serem altos e fortes, não lhes era uma tarefa muito difícil colocar em fuga alguns folgazões ou menos avisados. Isso tudo a tornava uma criatura mimada, mas ao mesmo tempo meiga, deixando para trás sua infância e adolescência travessa. Não teve namorado até os dezoito anos. Seus irmãos não permitiam, discretamente, que possíveis candidatos sequer se aproximassem. Sasha não se sentia incomodada por isso. Achava que tudo se arrumaria no devido tempo. De qualquer modo não a impedia de ter amizades com outras meninas e exibir seu carisma espontaneamente.

            Um infausto acontecimento, quando Sasha estava com dezessete anos, afetou e marcou para não mais se apagar a vida da jovem.

            – Serguei, você me ensina a dirigir?

            – Ensino! Mas, você não vai entrar numa auto-escola?

            – Vou! Contudo, para economizar eu já queria chegar lá com alguma noção e perícia.

            – Só tenho os fins de semana.

            – Eu também.

            – Ok. Poderíamos ir ao Alto dos Eucaliptos, onde está havendo um loteamento. Nas ruas já asfaltadas há pouco trânsito, quase ninguém passa por lá.

            – É que lá tem muitas subidas e descidas. Não é mais difícil?

            – Aparentemente. É melhor você já começar assim porque no seu exame prático eles vão colocá-la nessa situação.

            – Tudo bem! Você é um amor meu irmão! Estou exultante – dando-lhe um beijo na face.

            – Que bom Sá!

            No sábado seguinte a esse diálogo Serguei pegou seu Gol preto e, juntamente, com a irmã se dirigiu para o lugar escolhido para as primeiras aulas de volante. O lugar ficava num espigão, no qual se sobressaiam as inúmeras quadras de terra avermelhada e largas alamedas com o asfalto negro, sem quaisquer construções, definindo o que seriam os futuros quarteirões. Ao se chegar ao ápice, por aquela que parecia ser a via mais importante, pois ligava dois aglomerados de habitações, lá embaixo, de um lado e de outro do espigão, via-se uma boa parte do bairro. Havia, naquela hora da manhã, um ar suave e delicioso próprio dos matinais dias da primavera. Serguei conduziu o carro lentamente do outro lado e, numa travessa plana estacionou. Explicou pacientemente desde a alavanca do câmbio, as posições das marchas e suas funções, até os pedais no assoalho do carro. “Isso, Sá, são os princípios fundamentais para a direção”, explicou. Descendo, deu seu lugar para a irmã, tomando assento no banco do acompanhante. Esta, um pouco tensa, acomodou-se, procurando ajustar o banco. Afivelou o cinto. Sob a orientação de Serguei, começaram os primeiros movimentos. Recomendou ele: “Pise no pedal da embreagem até o fundo –. Indicando, por via das dúvidas, qual era –. Agora coloque a primeira marcha, sem tirar o pé do pedal… Isso! Lentamente vá soltando o pedal. Devagar…” Não foi, porém, o que aconteceu. O veículo deu um salto à frente e derivou acelerado, para a esquerda, atravessando a outra via. E aí aconteceu o imponderável.

                                                                       III

            Um carro vinha subindo, não se sabe de onde, em alta velocidade, perseguido por uma viatura da Polícia Militar que estava em seu encalço, chocando-se violentamente com o Gol, pelo lado do acompanhante, que capotou quatro vezes, após o que tornou à posição normal e ficar nas quatro rodas, totalmente irreconhecível. O carro dos meliantes – se soube depois – igualmente ficou inteiramente desfigurado. Apesar do impacto, passageiros e motoristas, em número de três, conseguiram sair cambaleantes do automóvel, empunhando suas armas, mas não conseguiram dar sequer um tiro, pois os policiais rapidamente os dominaram, desarmando e algemando a todos. Um, dos quatro policiais, enquanto isso, procurava atender à Sasha e seu irmão. Ela, em prantos, procurava desvencilhar-se do cinto de segurança, mas era impedida pelo corpo inerte de Serguei, que estava sobre ela. Por uma dessas imprevisões indesculpáveis ele que recomendara à irmã que a primeira coisa a se fazer ao dirigir um veículo é sentar e colocar o cinto de segurança, ele mesmo não havia colocado o seu. O policial recomendava, insistentemente, que Sasha tivesse calma. Foi com dificuldade que conseguiu abrir a porta amassada do veículo, depois de vários vigorosos puxões. Retirando a moça com todo cuidado, indagou se estava bem. “Sim! Sim estou bem! Veja meu irmão, pelo amor de Deus”. Com a saída de Sasha, o corpo de Serguei simplesmente desabara sobre o banco dela.  Auscultando o pulso e o coração do rapaz o policial constatou a sua morte. A fatalidade acabara de ceifar a sua vida. “Sinto te dizer moça, seu irmão está morto”. Sasha, chorando, soltou um fremido gutural desesperado e, encostada no que sobrara do carro, com os louros cabelos desalinhados, estava inconsolável, porém mantendo a linha. Enxugando as lágrimas, olhou despretensiosamente para os bandidos que, algemados, eram empurrados para o porta malas da possante perua policial. Um deles lhe chamou a atenção. Ele lhe pareceu familiar. Não sabia bem porque e nem queria saber naquele trágico momento, porém era algo que lhe assaltara o espírito, incompreensivelmente, para aquele momento. Ele era moreno, alto, rosto quadrado, cabelos cortados rente e, não fosse a palidez do seu semblante, poder-se-ia dizer que era – ainda conseguiu pensar ela – “bonito”.

            Dez dias depois da infausta tragédia, nos quais a família procurou lamber suas próprias feridas Sasha, após carregar o celular de Serguei, que ela encontrara entre seus objetos pessoais guardados numa das gavetas, na parte superior de uma cômoda, (que até aquele momento não tivera coragem de escarafunchar) resolveu bisbilhotar e acessou suas mensagens, recebidas e enviadas via e-mail, escutou a caixa postal com recados irrelevantes. Sentiu muitas saudades do irmão. Chorou. Recordou os momentos em que ele lhe propiciara muitas alegrias e gargalhadas, sobretudo pelas histórias que contava e por suas travessuras de jovem saudável e bem-humorado. Ela não sentia estar invadindo sua privacidade porque ele sempre lhe contava tudo e tinha nela uma confidente. Visitou outros aplicativos e chegou na Galeria, aplicativo de arquivo de fotografias. Muitas selfies com variadas pessoas nos quais predominavam garotas, algumas delas suas conhecidas. Em todas as fotos seu irmão aparecia com aquele ar e rosto felizes que o caracterizavam. Um jovem inteligente, belo, carinhoso, amistoso e para ela muito querido.  De repente Sasha gelou. Numa selfie na praia lá estava ele, entre outros rapazes e Serguei: o cara que ela vira algemado, sendo jogado para dentro do camburão da polícia.

Revisora: Maria Sucasas Costa

(Semanalmente, o Jornal de Itu publica este romance por capítulos. Acompanhe! Para ler o capítulo anterior, clique aqui)

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