Autônomos contam os desafios de mais de 100 dias de pandemia
São mais de cem dias de pandemia mundial. Na fase vermelha, no vermelho: essa é a realidade de muitos autônomos que, de repente, precisaram se reinventar e aceitar aquilo que não podem mudar.
Profissionais da área de eventos, cultura, turismo e gastronomia eles aguardam suas vidas profissionais voltarem ao normal, na expectativa do novo normal.
Entrevistamos André, Juliano, Solange e Luciana no início da pandemia, em 20 de março. Se você não leu, leia aqui. 108 dias se passaram desde então e eles contam sobre os desafios deste período, e sim, ainda aguardam, como todos nós, o fim da pandemia.
André Zucculim, gestor de cantina escolar
“Algo bacana dessa quarentena é a proximidade com a família, especialmente com os filhos. Poder acompanhar melhor as atividades escolares deles, ter tempo para conversar… Isto seria impossível antes, na correria que vivíamos: eu saia de casa às 7h e voltava as 23h.
Seria melhor ainda se tivesse sido planejado um lock-down logo no começo, e também se tivéssemos tido mais tempo antes para nós planejarmos antes, mas foi tão de repente que eu perdi muita mercadoria e agora também não temos ideia de como será quando voltar.
Eu estava bem otimista neste ano, acreditava que iria ser um bom ano financeiro, e quando aconteceu isso eu tinha acabado de encher a cantina de mercadoria. Além disso, eu tinha duas funcionárias estagiárias através de uma agência e até agora não consegui nenhum diálogo, nenhuma negociação. Nem tenho dinheiro para demiti-las agora. E se volta tudo ao normal daqui a pouco, vou precisar dessas funcionárias.
A parte mais difícil é essa falta de planejamento, de expectativa… Enquanto isso estamos sobrevivendo vendendo baldes de pães de queijo e pães e bolos que minha esposa faz. Se alguém se interessar, o telefone é (11) 94131-2019.
Sol Andreazza, promotora de eventos
“Eu trabalho na área de eventos, o primeiro setor a ser impactado pela pandemia de COVID-19, junto com a cultura e o turismo, então, basicamente sai de uma rotina super intensa para o nada. Uma semana antes de começar a quarentena, já tive todos os eventos “cancelados” sem previsão de reagendamento.
“Faça eventos on-line”, eles disseram… Mas, no começo da pandemia, houve uma sobrecarga de eventos on-line, lives de todos os tipos, em poucos dias, estávamos todos exaustos de conteúdo on-line e tendo que lidar com o peso emocional do confinamento ou do risco de contaminação.
A ansiedade bateu, organizar os eventos com datas reagendadas virou um desafio, porque ainda não sabemos como vai ser a vida após a pandemia, quanto mais os eventos presenciais… Diante de tanta incerteza, eu me recolhi ao conforto do meu universo interior, gastei tempo lendo coisas que antes eu não tinha tempo, procurei novas músicas pra ouvir, e o desafio de conviver com a minha filha, uma criança de 10 anos ansiosa que quer passar o dia todo no celular.
Tem sido dias difíceis, cheios de desafios e descobertas, somente quando me permiti relaxar um pouco das expectativas do mundo pré-pandemia, mundo esse que nem existe mais, que pude tirar algum proveito desse momento de recolhimento em que estamos SEGUROS dentro de nossas casas. Vai passar, tudo passa… Mas, como será o amanhã? Não sabemos. Enquanto isso, fiquemos em casa lamecados de álcool gel mas, sobretudo, seguros!”
Luciana Daldon, guia de turismo
“Minha vida e rotina mudaram muito nesta quarentena. Passei a morar com meus pais, volto para a minha casa no fim de semana só pra abrir a casa pra arejar e molhar as plantas. Pra ter uma renda extra comecei a confeccionar máscara e tiras de tecido com a minha mãe. Se alguém se interessar, meu contato é (11) 98889-6471. E aos poucos vendendo alguns móveis e utensílios domésticos meus.
Consegui o auxílio emergencial, graças a Deus. E a rotina diária muda muito, né? Com pais na idade de risco eu é que vou no mercado, padaria, atender o portão. Isso eu já fazia em casa mas não tinha toda uma higiene burocrática. Passar álcool em tudo que vem da rua. Não sair sem máscara. E tomar cuidado pra não encostar em nada em casa quando volta da rua.
A parte boa é que me sinto bem em relação aos meus pais, estou mais perto deles do que antes. Mas ao mesmo tempo me sinto um pouco inútil por não estar trabalhando com o que eu tanto amo, que é turismo.”
Juliano Mazurchi, ator e produtor teatral
“São mais de 110 dias sem exercer nosso ofício de ator, desde a última apresentação do espetáculo POR QUE OS HOMENS MENTEM? em São Paulo. Aqui no antigo Teatro Nósmesmos, cancelamos a agenda de apresentações e cursos presenciais. Estamos apenas com aulas à distância (online).
Com essa situação tivemos que tomar uma decisão difícil e importante: a de entregar o espaço. Foram 5 anos de atividades com o espaço de apresentações e não poderíamos apenas abandonar. Foi aí que tivemos a ideia de passar o espaço para as mãos da Yara Produções, onde irá continuar o trabalho que iniciamos.
Diante de uma crise dessa dimensão não há como sair ileso. Isso mexe com todas as suas estruturas, desde a psicológica até a financeira. E para enfrentar uma situação dessas é preciso muita resiliência. É como se o mundo tivesse que tirar um período “sabático forçado” e tivéssemos que refletir sobre tudo.
Além da preocupação financeira por conta das apresentações artísticas estarem totalmente paralisadas, temos a preocupação com a saúde por estarmos em um risco iminente da contaminação do corona vírus. Pessoalmente essa preocupação e os cuidados se redobraram nesse período por conta da minha esposa Charlene estar grávida e esperando a chegada da nossa filha Cora. Graças a Deus foi tudo bem e estamos vivendo uma dupla quarentena com tranquilidade e cuidados redobrados.
Agora uma curiosidade: o nascimento dos meus dois filhos foram em momentos de mudanças em relação a minha vida profissional. Há 3 anos quando o Gael chegou, eu estava com um cargo de diretor na Prefeitura e com apenas 1 mês que tinha assumido o cargo, com o nascimento do Gael, tomei uma decisão difícil que foi deixar o cargo para me dedicar somente ao Teatro. Agora com o nascimento da Cora, no meio de uma pandemia, tivemos que decidir mudar o posicionamento e estratégia dentro do mercado que atuamos. Não desistimos de “fazer teatro”, pelo contrário, passamos a pontuar o que poderemos fazer para continuar cada vez mais dentro dessa área e como sobreviver uma pós-pandemia.
Assim, algo que a primeira vista nos parece o fim da linha, nos abre um horizonte de oportunidades para nos reinventar e a partir de agora encontrar mais significado naquilo que escolhemos fazer.”
(Texto: Rosana Bueno/Jornal de Itu Fotos:Arquivos pessoais)