Gente de quem?

*Luís Roberto de Francisco

A pergunta em questão era muito comum em Itu até algumas décadas atrás.  Ouvi dezenas de vezes, ao chegar à casa dos colegas; pais, avós e tios perguntavam: gente de quem você é? A cidade cresceu e hoje é mais difícil esse tipo de identificação entre gerações das famílias.

            Somos uma localidade relativamente antiga, de quatro séculos, portanto poderíamos  imaginar que a gente mais longínqua de Itu remonta ao século XVII. Parece que não: a circulação dos paulistas foi enorme, nos primeiros tempos, e a fixação de famílias no “Outu”, como nossa cidade se chamava àquele tempo, só aconteceu em meados dos 1700.

            Então a gente de Domingos Fernandes não ficou em Itu? Dentre seus descendentes permaneceu aqui somente a prole de Agostinha Rodrigues, filha mais moça do fundador. Portugueses e indígenas que viviam na região se uniram a eles, vivendo de roças, da produção artesanal e do comércio formando a nossa primeira gente. Alguns enriqueceram graças aos portos no Tietê (Salto e Porto Feliz). Os sobrenomes Costa, Quadros, Ribeiro, Siqueira e Meira aparecem nas velhas genealogias, vindo a Itu em fins do século XVII.  

            Cem anos depois, no século XVIII novas levas de gente chegam para aproveitar a fertilidade das terras e produzir açúcar. Alguns eram aventureiros voltando das minas de ouro no Cuiabá. Esta é a fixação mais antiga dos sobrenomes que ainda temos hoje. Dentre eles havia mamelucos e portugueses. Os africanos vieram obrigados, como mão de obra e no século XIX formavam a metade da população representando a força do enriquecimento econômico local; porém, escravizados e fora da própria terra perderam o pertencimento de origem, construindo nova cultura ao criar laços com a localidade. Muitos de seus sobrenomes foram tomados aos seus “senhores”.

            Somente em fins do século XIX começam a chegar outros personagens da nossa história: europeus: italianos, espanhóis, portugueses e asiáticos: libaneses, sírios e japoneses. O estabelecimento desses imigrantes na zona rural ou na cidade permitiu renovação da sociedade através da miscigenação.

            A indústria, a produção cerâmica e a instalação de empresas estrangeiras, já no século XX,  abriu espaço para migrantes de outros estados ou mesmo de cidades do interior paulista. A cidade novamente cresceu, inclusive com o êxodo rural.

Desta forma se pode entender que a gente de Itu não é genuína, tem origens e temporalidade diferentes. Cada grupo desenvolveu uma história: apropriou-se das terras ou serviu de mão de obra e contribuiu para a formação da cultura com elementos distintos.

            Ser gente de Itu é pertencer de alguma forma à população, com papel na cultura, na política, na economia e na sociedade representando uma peça no grande quebra-cabeça da história local.

No momento em que celebramos mais uma vez o aniversário da cidade, cada um deve se sentir participante da múltipla cultura ituana, buscar entender suas origens e pertencimento. Memória e identidade são caminhos para que todos os cidadãos se sintam personagens atuantes desta história. Pena ainda tão pouco sabermos dos indígenas, primeiros habitantes daqui… 

*Luís Roberto de Francisco é Mestre em História Social. Trabalha como professor no Colégio Almeida Jr, como pesquisador no Museu da Música- Itu e regente do Coral Vozes de Itu.

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