Ministério Público denuncia diretoria da Kia Motors do Brasil por formação de quadrilha
O Jornal Folha de São Paulo publicou nesta semana uma reportagem em que revela que o Ministério Público Federal (MPF) no Espírito Santo denunciou o presidente da Kia Motors do Brasil (Brazil Trading Ltda), José Luiz Gandini; o diretor administrativo, Edison Ruy; e outras cinco pessoas pelos crimes de formação de quadrilha e uso de documento público falso: Amaro de Araújo Pereira, Arnaldo Córdova Duarte, José Alcântara da Gama, Manoel Fagundes Nunes e Carlos Alberto de Oliveira.
“O grupo é acusado de ter viabilizado a emissão de três escrituras públicas falsas de imóveis que foram incorporados ao patrimônio da Kia Motors, em agosto de 2010. Os imóveis inexistentes estariam localizados no estado do Piauí e receberam nome de Fazenda Curral, Fazenda Boa Esperança e Fazenda Bezerra. Juntas elas valeriam R$ 300 milhões”, explica a reportagem.
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A investigação apontou que, pelo menos, em quatro oportunidades, nos anos de 2010, 2011 e 2012, os documentos falsos foram usados perante a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional, em Vitória, e viabilizaram a obtenção de benefícios tributários ilícitos em favor da Kia, causando prejuízo ao fisco federal.
Segundo o MPF, a Kia Motors, por intermédio de Edison Ruy e José Luiz Gandini, contratou os serviços de Amaro de Araújo Pereira Filho e Arnaldo Córdova Duarte pelo valor de R$ 60 milhões para a obtenção das escrituras falsas. Os contratados teriam utilizados seus serviços de “grilagem de terras”, e para obter as escrituras, também contrataram José Alcântara, Manoel Fagundes e Carlos Alberto de Oliveira.
Arnaldo é apontado como peça principal do esquema, envolvido com grilagem de terras pelo menos desde 2003. “Ele foi a pessoa responsável por interligar todos os interessados. Fez o contato com João Alcântara, responsável pelo cartório de registro de imóveis Avelino Lopes (Piauí), que falsificou as escrituras; já Manoel Fagundes obteve, com um ‘laranja’, os documentos que subsidiaram a emissão dos registros dos imóveis”, diz a investigação.
Já Carlos Alberto de Oliveira aparece na denúncia como o engenheiro agrônomo responsável por elaborar e assinar os falsos memorais descritivos que atestavam os limites territoriais das fazendas inexistentes, documentação imprescindível para a lavratura das escrituras públicas de incorporação de imóvel ao patrimônio da Kia Motors.
O Ministério Público no Estado aponta que, em outubro de 2010, as escrituras falsas foram usadas perante a Receita Federal para instruir pedido de restituição de valor de R$ 440 milhões. O pedido foi fundado em créditos de desapropriação que a Kia teria em razão da desapropriação, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), das áreas inexistentes de sua titularidade. No mesmo mês, as escrituras foram utilizadas novamente perante a Receita para instruir petição acompanhada de duas declarações de compensação de crédito tributário no valor total de R$ 210 milhões.
Em julho de 2011, as escrituras falsas foram utilizadas perante a Procuradoria da Fazenda Nacional, em Vitória, para instruir requerimento de parcelamento em que os imóveis inexistentes foram dados em hipoteca para garantir dívida de R$ 253.500.950,13 com a União. Em janeiro de 2012, as escrituras foram novamente apresentadas para a Receita Federal em atendimento ao termo de intimação fiscal para apresentação dos registros de bens e direitos constantes do ativo imobilizado da Kia.
A Corregedoria Geral da Justiça do Piauí, em correição extraordinária no Cartório da Comarca de Avelino Lopes, apurou os fatos e constatou as fraudes cometidas pelo grupo, com farta prova documental, cancelando as matrículas das fazendas inexistentes. Além disso, foi determinado o afastamento de José Alcântara da Gama de suas funções no cartório.
A ação penal tramita sob o número 5006159-44.2019.4.02.5001/ES.
VÍTIMA DE QUADRILHA
A diretoria da Kia Motors do Brasil, em nota, negou envolvimento nos fatos denunciados pelo MPF e alegou ser vítima da quadrilha.
O documento afirma, ainda, que os fatos foram relevados em auditoria promovida pela empresa em 2012. “Apurou-se que profissionais terceirizados contratados na época para a prestação de serviços na área tributária, munidos de uma procuração específica para representar a empresa na Secretaria da Receita Federal, extrapolaram ilicitamente os limites estabelecidos na contratação, substabeleceram ilicitamente esses mesmos poderes para outras pessoas, à revelia dos representantes da Kia Motors do Brasil, e aparentemente tentaram adotar medidas fraudulentas, circunstância que prejudicou e causou significativo prejuízo financeiro para a empresa”.
Em razão disse, prossegue a nota, a Kia teria comunicado, no mesmo ano, o fato à Secretaria da Receita Federal e para a Procuradoria da Fazenda Nacional, circunstância que ensejou “a abertura de uma fiscalização, assim como, logo depois, o seu encerramento, na medida em que a empresa comprovadamente sempre cumpriu rigorosamente todas as suas obrigações tributárias, e a expedição de ofício para a Polícia Federal, apurar o fato, relacionado aos terceiros fraudadores”.
A Kia Motors do Brasil finaliza dizendo que está “segura de que a ação criminal será julgada improcedente, no momento oportuno”.