Setembro Amarelo: a dor dos que ficam

Em Itu, cerca de seis pessoas por ano tiram a própria vida.  Quase sempre há um tabu de que não se pode falar sobre isso e poucos casos são divulgados, dando a impressão de que eles não ocorreram.

As pessoas que tiram suas próprias vidas com o objetivo de aliviarem as suas dores emocionais deixam para trás um rastro de dor em seus entes queridos. A perda faz com que os que ficam se questionem: como eu não percebi? O que eu poderia ter feito?

Entrevistamos três pessoas que perderam pessoas queridas e elas contam como é o desafio de conviver com essa dor.  Abaixo, os relatos.

 

Hip Hop

O destino sorriu para ele aos seis meses de vida. De um lar provisório, em um abrigo, ele foi adotado por uma família, ganhou um irmão adotivo, e um lar de verdade. Em uma chácara, enquanto os pais trabalhavam, ele corria, brincava e saboreava a sorte de uma nova vida. Nas férias, as viagens. Na escola particular, tudo bem também. Até que veio a adolescência e com ela as notas baixas. A reprovação. Na formatura do Ensino Fundamental II, ele não participou. Os pais se separaram na mesma época. Foi empurrado para o Ensino Médio, e lá perdeu a bolsa de estudo. A matricula nas escolas públicas se sucederam, diante dos problemas indisciplinares. Consulta em psicólogos não foram suficientes. Mas o jovem era alegre, o piadista da roda, bonito, gostava de hip hop, compunha músicas. Com a tecnologia, veio a distancia familiar, natural dos jovens. A mãe tentava dar conta da vida corrida, cheia de trabalho, e do filho rebelde. Nada que com os anos se apaziguasse. O largo sorriso do menino fazia com que pensassem que ele zombava da vida, mas jamais seria inimigo dela. Mas feito Chaplin, o sorriso escondia a dor. E um dia ela foi mais forte, e contrariando o destino bom que lhe deu uma família e boas condições para viver, ele fez o caminho reverso e se tornou seu algoz. Deixou amigos, o hip hop, e uma mãe que se perguntou, ao encontrá-lo: “Porque você fez isso comigo?”. O motivo, passado pouco mais de quatro meses, ainda é uma incógnita. Não há respostas. E neste silêncio, mãe, pai e irmão seguem com a dor da perda, tentando superar a cada dia a ausência de Leonardo.

 

Romeu e Julieta

Ela estava noiva dele após três anos de namoro. A casa estava pronta, no Jardim das Rosas, e mobiliada. Um casal jovem, que se preparava para viver a dois, a partir de setembro de 1981. No dia 28 de julho do mesmo ano ele a-deixou na porta de casa e se despediu. Ela disse: “Até amanhã!”. Ele respondeu: “Boa noite”. O amanhã não chegou…

Naquela mesma noite o jovem de 27 anos desistiu de tudo: da noiva, do casamento, da família que iria construir. Na carta de despedida, uma recomendação: os móveis deveriam serem doados para o bazar da APAE. Ela até hoje considera-o como o grande amor de sua vida. O amor que não se concretizou, ao estilo Romeu e Julieta, e se romantizou para sempre na dor da ex-noiva, que sobrevive até hoje pensando como seria ter vivido ao lado do amado. “Já tínhamos escolhido até o nome dos nossos filhos”.

No ápice de sua dor, quis ir junto com ele. Ia até a porta do cemitério todos os dias, rezar a Ave Maria das 18h. Dias depois, uma jovem da qual tinha ciúmes, morreu de acidente de carro. “Tive inveja dela, pois imaginei ela junto com ele do outro lado”, relembra ela. Um dia pegou o carro do pai e saiu, decidida a também dar fim na sua trajetória. Chegando ao local escolhido, lembrou-se de seus próprios pais, na dor que causaria àqueles que tanto a amavam, e desistiu.  Seguiu adiante, formou família, teve filhos, mas nunca se esqueceu.

Hoje desenha no ar hipóteses para justificar tamanha dor do amado que se foi. “Ele tinha perdido a mãe ainda adolescente, e depois o pai se casou com uma moça que nem ele nem os irmãos aprovavam”. A dor do rapaz, por essas e outras causas, não foi compartilhada com ninguém. Mas na véspera do fatídico dia, ele foi até a Igreja Matriz duas vezes, procurar por Monsenhor Camilo Ferrarini. Naquele dia, o religioso não estava.

Trinta e oito anos se passaram, e ela ainda procura explicações. Acredita que em épocas em que as pessoas estão mais felizes, as pessoas tristes se sentem ainda mais tristes, e mais propensas a atos extremos. “Mas é preciso lembrar que, além de cada tristeza, as pessoas têm o seu valor, tem alguém que as ama”, finaliza.

 

Moda de viola 

Cristiano era um rapaz de 32 anos que gostava de tocar moda de viola nos bares com os amigos. No último final de semana os amigos se reuniram e lembraram: “Era para o Cris estar aqui”. Ele não está pois, desde 2014, desistiu da música, da alegria e da vida.

Após ele faltar no trabalho, seu chefe o procurou em casa, onde morava sozinho. Arrombou a porta e já o encontrou sem vida, provavelmente desde a segunda-feira à noite. Enquanto nas ruas se celebrava mais um Carnaval, ele se foi sem deixar nenhuma carta, nenhuma explicação plausível. Apenas uma letra de música, que os irmãos até hoje não entenderam. Assim como não compreenderam a sua atitude.

Meses antes sua mãe havia falecido, deixando quatro filhos ainda solteiros e menores, sendo um deficiente. Cristiano não chorou. Prometeu que iria cuidar deles, dar todo apoio: “Eu sempre vou estar aqui”.  Não cumpriu. Desistiu, causando uma dor extrema na pessoa que mais amava: sua filha de três anos. Por orientação médica, ela se mudou de Itu para não ver mais os locais onde ia com o pai e sofrer menos, mas até hoje quando tem festas nas escolas em que os pais são convidados a estarem ela chora. Nem o tio, nem o avô, supre a falta do pai, que a deixou.

De mãe de sua filha, Cristiano havia se separado meses antes, e já havia pedido ajuda e oração em prol de si para pessoas mais próximas. “Eu não estou bem, acho que estou com depressão e vou procurar ajuda. Pede para a pastora rezar por mim”. No trabalho, tinha soltado algumas frases desconexas que os amigos levaram na brincadeira. No final de semana anterior, foi ver o pai que não via há muito tempo. Era um despedida, mas ninguém imaginava que o moço alegre, sociável, que gostava de música, sofria calado mais do que poderia suportar.

Depois de 2014, duas irmãs de Cristiano tiveram depressão. Uma tentou o suicídio também. Hoje entendem que ele pedia socorro, do jeito dele. “Na época, a gente achava frescura, mas hoje que passamos por isso entendemos. E entendemos também que a vida tem muito valor e temos que lutar…”

 

Central de apoio

O suicídio é um fenômeno complexo que pode afetar indivíduos de diferentes origens, classes sociais, idades, orientações sexuais e identidades de gênero.

Saber reconhecer os sinais de alerta em si mesmo ou em alguém próximo a você é o primeiro e mais importante passo.

No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV) é responsável por promover apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo gratuitamente, sob total sigilo, por telefone (188), email e chat 24 horas todos os dias.

(Texto: Rosana Bueno Foto: Divulgação)

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