Fausto Oliveira, da Revolução Industrial Brasileira, lança livro “O Ancap”; confira entrevista

Você com certeza conhece alguém que ficou de mal de outras pessoas, amigos ou parentes, por causa de política. E não só por isso. Visões econômicas e de mundo divergentes podem ser motivo para fim de amizades. É assim que começa a obra de estreia do jornalista Fausto Oliveira, do movimento A Revolução Industrial Brasileira, disponível a partir desta semana em livrarias e online.

“O Ancap” é um romance que mostra a transformação de um jovem que se torna adepto da vertente chamada “anarco-capitalista”. O livro está sendo impresso pela editora Flyve e custa entre R$ 24,90 e R$ 39,90, nas versões física e online. O Jornal de Itu conversou com o autor sobre a obra e traz alguns spoilers sobre a história que tem como pano de fundo um tema atual, mas inusitado que é a economia.

Jornal de Itu (JDI) – Como surgiu a ideia de escrever uma obra com este tema?

Fausto Oliveira (FO) – O livro O Ancap nasce de uma preocupação com os rumos do Brasil. Para além das grandes questões que estão em todos os jornais, cresce hoje no país um individualismo extremado, que se associa com as ilusões do dinheiro fácil no mercado financeiro. Muita gente, principalmente jovens, deixou de acreditar numa ideia de construção de um país melhor, e aderiram a uma luta encarniçada para ficar rico.

JDI – Quem é o protagonista?

FO – O jovem ancap do título é um rapaz que adere ao anarco-capitalismo (daí o título “O Ancap”) e vira um operador de mercado financeiro e influenciador na internet. Movido apenas pelo egoísmo e o desejo de ficar rico, ele passa a excitar nas pessoas o desejo de enriquecer sem trabalhar, e acaba envolvido numa trama maior do que ele, cujos propósitos são terríveis. É um livro que fala sobre a época atual, muito mais do que sobre o anarco-capitalismo.  

JDI – Como jornalista econômico, te preocupa o crescimento no número dos chamados Ancaps? O que você acha que os motiva e atrai tantos jovens?

FO – Até certo ponto me preocupa, mas não tanto. Os ancaps nunca serão mais do que uma ala radicalizada do neoliberalismo, embora eles não se reconheçam assim. Me preocupa mais saber que na grande política existe um consenso privatizador e financista que, esse sim, causa grandes danos ao país. Os libertários, anarco-capitalistas e outras subdivisões desse pensamento acabam sendo usados para reforçar a agenda de pessoas como o ministro Paulo Guedes. No fundo, esse é o problema. Por isso, “O Ancap” é um livro que trata do momento histórico atual.  

JDI – Sem querer spoilers, mas já pedindo, há a revolução industrial brasileira no livro?

FO – Certamente! Meu trabalho como jornalista técnico que há anos é próximo dos setores industriais em diversos países é uma influência que eu acolho com muita felicidade. O livro começa contando como dois jovens estudantes de economia rompem sua amizade porque um vira anarco-capitalista e esquece de tudo para enriquecer no mercado financeiro. Já o outro vira empresário industrial ao se associar com profissionais da química. O resultado é que ambos enriquecem, mas de maneiras opostas. Daí se inicia a descrição de caminhos para a riqueza que, por fazer toda a diferença, podem ser interpretados como caminhos possíveis para uma sociedade. Um caminho é o da riqueza improdutiva e concentrada, egoísta e violenta. O outro é o da riqueza que inclui outros, que se distribui, que produz benefícios tangíveis para o coletivo. 

JDI – O livro terá continuação? Faz parte de alguma série que você pretende seguir depois?

FO – É uma obra em si, não foi pensado para ter uma continuação. Mas nada impede que eu resolva utilizar artifícios ficcionais no futuro que, de alguma forma, ressuscitem a narrativa em outro contexto.

JDI – Qual é a importância da visibilidade cada vez mais que você e outros profissionais que divergem de uma linha de economistas que tem mais visibilidade na grande mídia?

FO – Nossa visibilidade tem aumentado bastante, principalmente graças ao trabalho de economistas heterodoxos como André Roncaglia, Paulo Gala, Uallace Moreira, o geógrafo Elias Jabbour e várias outras pessoas que, como eu, militam na internet para quebrar essa muralha de informação econômica que bloqueia visões diferentes. É algo importante para o Brasil. Nós não merecemos ficar atrelados a uma visão econômica que já mostrou que não dá resultado de crescimento, especialmente porque, no Brasil essa visão é submetida a interesses não exatamente transparentes e muitas vezes associados à vontade de enriquecer às custas do Estado.

JDI – Os acontecimentos recentes como impeachment, teto de gastos e eleição de 2018 tornaram o terreno para o Ancap crescer ou você considera essa uma tendência normal independentemente do que acontecesse?

FO – Considero que ambos os fatores têm sua parcela de participação. O contexto imediato facilitou a expansão dessas correntes de pensamento, pois junto com os eventos políticos que começam em 2013, institutos liberais de vários matizes começaram a colocar dinheiro na internet brasileira para fabricar influenciadores. Porém, é verdade também que já há muito tempo existe uma raiva latente na sociedade brasileira contra o Estado, fruto da permanente campanha privatizadora da qual a grande imprensa é a porta-voz mais forte. Quando a sociedade é levada a crer, por exemplo, que tudo que é público é ruim, e que o Estado é composto apenas por ladrões, o terreno para este tipo de pensamento começa a se criar. Ignorando, claro, que o Estado mesmo com todas as suas falhas, continua sendo um elemento crucial de coesão social, ainda mais num país de altos níveis de miséria, pobreza e exclusão como é o Brasil.

JDI – Quem quiser conhecer mais do seu trabalho, como encontrar?

FO – Eu sugiro que procure no Youtube por Revolução Industrial Brasileira. Ali é onde mais atuo na defesa de uma pauta desenvolvimentista para o Brasil.

JDI – Deixe um recado para os leitores do Jornal de Itu.

FO – Thomas Piketty, o célebre autor de O Capital no Século XXI, recentemente disse que o mundo vive um contexto similar ao que se vivia logo antes da Revolução Francesa. Uma crescente sensação de injustiça entre as maiorias sociais, um descontentamento com a indecente concentração de renda e uma hipocrisia no debate público que insiste em fechar os olhos para tudo isso. Eu concordo com ele. No Brasil, já há gente caçando lagartos no Rio Grande do Norte e fila para comprar restos de osso em açougues. A eleição vem aí e nada indica que vamos debater o desemprego crônico e o empobrecimento da sociedade. Enquanto isso, privilegiados usam as redes sociais para esfregar na cara dos demais seus investimentos financeiros e em moedas digitais como Bitcoin. Não é um contexto amigável. “O Ancap” é um livro sobre isso, é uma crítica à época.


O ANCAP

Sobre o livro

Todos sentem a decadência econômica e social gritante que afeta as sociedades ocidentais, em especial os países de renda média como o Brasil. Mas ao mesmo tempo, a ideia de ficar rico por meio do mercado financeiro capturou parte importante da geração mais jovem.

Esta disjuntiva colocada para as sociedades ocidentais é o tema de O Ancap, romance de estreia do jornalista Fausto Oliveira. Nele, dois jovens estudantes de Economia rompem sua amizade porque um deles adere às ideologias de supremacia do indivíduo, e se torna um trader milionário e youtuber influente. O outro se forma e abre um empreendimento industrial igualmente bem-sucedido. Seus caminhos voltam a se cruzar quando o ex-amigo Ancap é envolvido em um lobby empresarial sigiloso que quer usar sua influência na internet para tomar de assalto o sistema público de saúde.

O Ancap é um relato cético, mas esperançoso, sobre a deterioração da solidariedade social e o avanço dos individualismos extremados por meio da internet. É um livro que questiona os limites da ação política sob a hegemonia das redes sociais, as possibilidades econômicas para a superação da pobreza em uma economia dominada pelas finanças, as distorções sistemáticas de conceitos consagrados com objetivo de lucro, e a depravação cultural do individualismo levado ao extremo.

fotos: divulgação

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