Uma mulher de princípios

Éden A. Santos

                                                                       XII

             A edificação possuía uma grande varanda na frente, com cadeiras de balanço e duas redes presas nas paredes da residência e nos mastros que sustentavam o telhado. Atrás dela erguia-se uma enorme torre suportando antenas, certamente de celulares, TV, internet, etc. Fomos nos aproximando lentamente, segundo permitia as precárias condições do terreno. Calado, eu observava atentamente todos os detalhes do pedaço. Era ali, provavelmente, que eu deveria colocar o plano que eu começava a esboçar. A ansiedade saía do meu coração e chegava até a minha boca tentando me sufocar. Não transpirava, mas esforçava-me para manter a calma e não me trair. Sem dúvida, aproximava-se a o momento xis.

Apalpei o cordão que trazia amarrado à minha cintura, por baixo da minha camisa, e certifiquei-me que lá estava atado o pequeno envelope fundamental para o sucesso do meu sortilégio. Surgiram no alpendre dois homens vestidos tipicamente a caráter dos camponeses bolivianos que nos deram as boas-vindas. PH os cumprimentou com genuína emoção. Antena os cumprimentou sem tanto entusiasmo, enquanto eu fui apresentado como a pessoa sobre quem já haviam conversado. Nos convidou para entrar e descansar enquanto tomávamos um chá de coca ou mate, a nosso critério. Fomos informados que ‘El Hombre’ logo viria.

A enorme sala era despojada. Alguns quadros, dois ambientes, um social com sofás e poltronas de cores vibrantes, uma lareira e ao seu lado um pequeno fogão alimentado por lenha ou carvão, que naquele momento tinha sobre sua grelha duas chaleiras fumegantes. A lareira se justificava, fiquei sabendo depois, pelo rigoroso inverno que imperava na região. Esse era o cenário do recinto. No outro ambiente uma ampla mesa de madeira com – pude contar – doze lugares. Cinco de cada um de seus lados e um em cada uma das cabeceiras. Depois de uns quinze ou vinte minutos, finalmente, chegou minha presa ou meu algoz. Um típico boliviano. Não me surpreendeu pois não havia definido nenhum protótipo para mim.

Provavelmente o que o diferenciava era o seu poncho que, percebia-se, além do colorido discreto, era de qualidade superior. Extremamente cortês na nossa apresentação, perguntei-me se por baixo daquele poncho o homem estaria armado. Segundo minhas instruções: CERTAMENTE. Encontrávamo-nos na sala social já tomando chá. Ele tomou assento numa das poltronas e um dos nossos recepcionistas o serviu de uma porção fumegante. ‘El Hombre’ expressava-se num perfeito português que ele disse ter aprendido quando passou quase dez anos no Brasil, ganhando a vida com confecções, estudando à noite na universidade, onde concluiu a graduação em Ciências Sociais e fez mestrado com a dissertação ‘Cocaína e sua ambiguidade na sociedade’. Cansou-se, disse ele. ‘Seu país é extraordinário. Sua riqueza exuberante, seu povo extraordinário, seu futebol inigualável, mas a corrupção de autoridades e políticos compromete tudo. O senhor deve saber que não corre nenhum risco com seu trabalho, porque aqueles que deveriam policiar estão sempre propensos a serem corrompidos.

Os fiscais achacam, os policiais extorquem, os políticos corrompem. Claro, não são todos, mas o país precisa dar um basta. O judiciário precisa ser o guardião das leis e dos costumes. Contudo, quando se vê o carnaval brasileiro, inconscientemente, percebe-se que o povo tem no seu comportamento o que recomenda o filósofo: “Esquecer a infelicidade já significa metade da felicidade’! O homem estava muito bem informado sobre o Brasil e parecia ser um autodidata. ‘Sobre meu país – disse ele – deixo para os estrangeiros analisar. Sou suspeito’. Enquanto sorvia seu chá, continuou ‘É bem verdade que não somos filósofos que, segundo eles, são os únicos seres na face da terra que não precisam de dinheiro. Você já ouviu falar de Diógenes? – perguntou-me. Sem esperar minha resposta continuou ‘Vivia dentro de um barril. Era louco? Não! Era filósofo. Cícero disse que o verdadeiro remédio para o espírito era a filosofia.

Ora, eu você, PH, Antena, Miguel e Solito – apontando para os dois rapazes que se mantinham de pé ao lado do fogão – precisamos de dinheiro para sobrevivermos. E cada um ganha o seu dinheiro do seu modo. O homem continuou por mais uns dez minutos. Eu estava distraído quando ‘El Hombre’ chamando-nos para jantar e dizendo que conversaríamos sobre negócios no dia seguinte, me perguntou de chofre ‘Amigo como es tu nombre, mismo?’ Esfriei porque não estava preparado. Respondi rapidamente Gustavo, Gustavo, senhor. ‘Esse foi o nome que provavelmente PH lhe deu, não é verdade? Quero saber o real’. Peter, senhor. ‘Ok’. Sorriu satisfeito.

Acho que tinha passado pelo meu primeiro teste. O homem era muito astuto, pensei. Devo ser bastante cauteloso. Engano meu. Chamando um dos rapazes com um estalar de dedos e dirigindo-se a mim disse em português bem claro “Por favor, permita-nos revistá-lo sobre armas ou outro objeto indesejável.” “Claro, senhor!” Levantando-me ergui os braços e o capanga, apalpando-me da cabeça aos pés exclamou: “Limpio”. Volvendo-se para mim, “Senhor…?” “Gustavo!”. Novamente senti o homem me testando. “Sim, sim, senhor Gustavo. Precisamos averiguar o que o amigo tem na sua bagagem. É um cuidado que temos com nossos visitantes de primeira vez. Incomoda-se?” “Absolutamente.Tudo bem senhor.” O outro cupincha se incumbiu de abrir minha bagagem. Assim, estava concluída a parte introdutória.

Ainda bem que não me pediram para desafivelar meu cinto e mostrar a parte interior, onde se encontravam os recursos para o meu trabalho, devidamente camuflados. Jantamos um cardápio totalmente brasileiro: arroz, feijão, costeleta de porco com batatas. Como sobremesa apenas frutas, abacaxi, banana e laranjas. Não nos demoramos muito. Após os costumeiros chás o homem deu-nos boa noite. Os rapazes que não nos deixaram um só instante e atentos a tudo e todos, nos encaminharam para nossos aposentos que se encontravam num corredor que possuía, após um pequeno hall na saída da sala de jantar, inicialmente, à direita, uma porta com uma pequena janela e uma plataforma indicando ser ali a cozinha. Em seguida se estendiam outras portas até o término da casa que tinha um belo vitral ao seu final. Fui até ele com o pretexto de admirá-lo. Havia um hall com duas poltronas de cada lado, uma defronte a outra e que de um lado e de outro possuía duas portas. Voltei. Porque me observavam à distância nem pensei em tentar abri-las.

No retorno reparei que havia vários quartos, o meu era o segundo à direita de lá para cá. Um dos rapazes num portunhol compreensível disse-me que a chave estava do lado de dentro da porta. Era um cômodo pequeno, porém asseado, com roupas de cama alvas, com toalhas de banho e de rosto dobradas e colocadas aos seus pés. Havia um armário embutido onde coloquei minha mochila, sem não antes retirar meu pijama e os produtos de higiene pessoal. Esquecera dos meus chinelos. Em vão procurei no armário, banheiro e debaixo da cama. Nada! Tomei um banho e fui deitar-me. Era umas 22h.

Antes de conciliar meu sono repassei os acontecimentos do dia, sobretudo as últimas horas e a razão pela qual estava ali para a realização daquele trabalho: Eliminar ‘El Hombre’.  Desde que chegamos já engendrara, preliminarmente, meu plano. Precisaria que o dia seguinte fosse como o de hoje para facilitar a implementação.

                                                                       XIII  

            Sasha estava – pensou ela –, possivelmente, tão tensa quanto seu irmão se encontraria naquelas horas, em terras tão distantes, totalmente só, com um projeto de altíssimo risco no qual não havia alternativas: era ser bem-sucedido ou ser bem-sucedido. Do contrário, estaria morto. Continuou a leitura que se aproximava do fim como notou ao folhear, novamente, as páginas restantes da caderno. “No dia seguinte, após o café matinal, bastante frugal, ‘El Hombre’ nos convidou para nos dirigirmos à biblioteca. Ela era de tamanho descomunal para aqueles ermos.

Três das quatro paredes eram cobertas de estantes repletas de obras de todo gênero, exceto numa delas onde havia uma bela porta de madeira, toda talhada, que dava acesso a um vestíbulo para tratar de assuntos sigilosos como soube ao ser convidado para entrar nele. Havia uma pequena mesa redonda com cadeiras ao redor e um sofá e duas poltronas a um canto. ‘El Hombre’ recomendou-me acomodar-me num deles enquanto ele e PH seguiram para a porta a que me referi, não se esquecendo de dizer-me que buscasse qualquer obra para leitura. Eles não demorariam mais que 1h. Cada um deles levava uma pasta nas mãos contendo provavelmente uma papelada.

Em pé, examinei as estantes. As obras eram separadas por idiomas indicados por pequenas placas. Português, espanhol, inglês e francês. Pensei com os meus botões, seria o homem um poliglota? Se fosse e com a sabedoria que parecia possuir dedicar-se à produção de uma droga combatida em todo planeta, com raras exceções, não seria no mínimo uma grande excrescência? E diante da minha missão, liquidar um homem com todo aquele acervo literário, tanto na sua memória como naquela biblioteca só se justificaria pelos males que causava. Sopesando: os danos que causava eram bem superiores à sua inteligência e conhecimento privilegiados e privar aquelas famílias de alguém que os orientava com toda aquela bagagem cultural era, sem dúvida, um mal menor.

Enquanto fazia essas conjecturas, procurei na estante de língua portuguesa alguma coisa para passar o tempo. Algumas eu já conhecia, outras só de ouvir falar e as demais nunca havia conhecido, inclusive uma tal de Mnemósine de Simônides que por curiosidade quis saber do que se tratava e quando soube que era sobre memória, imediatamente descartei porque ainda estou com a minha em perfeito estado de conservação. Fui sentar numa das poltronas e fiquei ali a revisar como poderia ser implementado o meu plano. Estava otimista porque como precisava de sol naquele dia para colocá-lo em curso o amanhecer com um céu sem nuvens prometia. Precisava, contudo, contar com alguns fatores que me pareceu não serem difíceis de serem arquitetados.

Chegou a minha vez de conversar com o homem, no momento que PH saiu da sala e disse-me para entrar. ‘El Hombre’ encontrava-se sentado à uma mesa circular para umas seis pessoas, numa pequena sala que contava com uma porta para um local onde se via uma pia e após ela uma porta que supus ser um sanitário. O anfitrião me recebeu de forma sisuda e foi logo perguntando qual a segurança que eu oferecia para a realização dos negócios. ‘Pagamento à vista em reais ou dólares, é condição sine qua non, como você deve imaginar. Preciso saber sua capacidade de absorção e, segundo soube, o senhor vai enviar para a Rússia.

Quais são as bases do esquema que o senhor tem lá? É um mercado que não conheço. Quais são os passos que pretende adotar para encaminhar e transportar a droga? Isso é estratégico. Eu a entrego aqui e o senhor deve cuidar do resto. Não quero saber de riscos e complicações. Há certos códigos que o senhor deve conhecer e que não podem ser desafiados. Nossa estrutura é forte e qualquer deslize pode ser fatal. Não temos emoções ou corações. Somos frios, calculistas e poderosos. Espero que saiba disso. Minha cocaína é pura, não tem mistura. O que o senhor vai fazer depois de retirá-la não é da minha conta. Recomendo apenas que ter juízo é crucial. O senhor é jovem e como tal afoito e ansioso. Calma! Tudo tem sua hora.’  

Essa ladainha durou quase uma hora. O homem possuía uma retórica extremamente objetiva e intimidadora. A tudo fui respondendo com segurança e clareza. Convenci o homem. Quis saber quando começaríamos. Acertamos todos os detalhes. Ele sugeriu que ficássemos mais o dia seguinte para conhecermos toda a estrutura do processo de elaboração. Poderíamos, se o desejássemos partir no dia posterior ao de amanhã. Pensei comigo, não chegaremos até lá. O dia transcorreu tranquilo.

                                                                       XIV

            Repousei à tarde e como já tinha todo o plano devidamente consagrado em minha mente, era questão de esperar anoitecer. A casa estava em absoluto silêncio. Cuidadosamente, fui até o hall onde estava o vitral. Experimentei as portas, ambas trancadas à chave. Puxei a chave mestra que portava e após alguns movimentos consegui abri-la. Tranquei-a e voltei para meu quarto. O dia havia sido de sol forte o que, já disse, favorecia meus planos. E o que aconteceu em seguida foi melhor que a encomenda. Ao cair da tarde, já no crepúsculo, eu e PH fomos convidados a tomar chá da erva na varanda da casa com nosso anfitrião. Era do que eu precisava. A sorte estava comigo. Sentamo-nos e o homem voltou a falar eruditamente. Depois de uma meia hora, quando a escuridão da noite se tornara densa, pedi licença para ir ao banheiro. Tranquei a porta por dentro e sacando o cinto puxei uma pequena alça situada na parte interior, abrindo um minúsculo zíper de onde retirei um delicado fio imantado de pólvora, à moda das linhas de cerol utilizada pela garotada para cortar a linha de outras pipas dos menos avisados e um pequeno e minúsculo envelope de papel contendo uma pequena mas mortal porção de cianureto. Empalmando-os e colocando o cinto rapidamente saí e abrindo a porta do hall do vitral, esgueirei-me até uma das casas. Amarrei o pequeno cordão numa das palhas e acendi o rastilho correndo de volta ao encontro de ‘El Hombre’ nem me preocupando com trancar a porta. Retornei e o homem ainda continuava seu sermão para PH. Acho que sentia falta de visitas para expor seu conhecimento filosófico. Demorou uns dez minutos, ou talvez um pouco menos, para que o alarme fosse dado. Já de posse, estrategicamente, do pequeno envelope de cianureto, enquanto todos acorriam em direção de onde vinham os gritos, meu anfitrião levantou-se para ver o que acontecia. Num átimo de segundo derramei o pó mortífero na chávena de ‘El Hombre’. O fogo tremeluzia naquela escuridão e podiam-se ver as figuras fantasmagóricas dos cocaleros correndo de um lado para outro com baldes d’água, enquanto as crianças e mulheres assistiam espavoridas todo aquele frenesi. Corri para o local e encontrando encostada numa casa vizinha uma vassoura de piaçava com ela passei a bater sobre as chamas. Outros vendo que eu obtinha algum sucesso fizeram o mesmo. Em curto espaço de tempo o fogo foi dominado e, salpicados de fuligem, pudemos voltar à varanda. Com certo espalhafato procurava afastar certos ciscos das minhas roupas. ‘El Hombre’ assistira de longe todo o pesadelo. Sentamo-nos e, tenso, aguardava o desfecho. Quando o vi levantar sua chávena e entregando-a a um dos moços, gelei. Ponga más, determinou. Sorveu um bom gole e o efeito foi quase imediato. Com as mãos sobre o abdômen o homem começou a tossir. Eu, PH e os rapazes acudimos. O homem contorcia em dores. Os rapazes o apanharam e o levaram para a sala e o estenderam no sofá. Mandaram chamar um curandeiro ou sei lá o que era aquela figura folclórica que lhe ministrou uma beberagem infrutiferamente. Em minutos o homem estava morto. Ficou uma situação caótica. Embora estrangeiro e um desconhecido, todos me viram lutar bravamente contra o fogo. Para aquelas mentes simplórias talvez eu não fosse suspeito. PH e Antena, contudo, não eram tão ingênuos quanto os nativos. Missão cumprida? Em parte. Precisava sair dali com vida. Claro que eu tinha um plano que dependia, todavia, de como reagiriam os personagens que me cercavam. Voltando à cena do crime, o ambiente era desolador. A sala logo foi tomada por uma multidão em total desespero e prantos. Afinal estava morto o provedor de todos e de tudo. Como seria o futuro para eles era algo tão sombrio quanto as trevas que imperavam lá fora. Certamente, o que de menos aquela comunidade poderia esperar era perder seu líder e protetor. Os serviçais da casa e os moços que atendiam a “El Hombre” cochichavam a um canto, sem dúvida, discutindo como seriam as coisas e que atitudes deveriam adotar. Imediatamente, acercaram-se de nós três e Solito, olhando para Miguel, disparou “Ustedes tres son sospechos de haber envenenado a nuestro padre Cómo solucionar esto? Em el caso de que nadie lo confiese vamos a matar a los tres.” Nesse momento esfriei, porém, uma reviravolta importante acontecera. Minha expectativa era de que PH e Antena pudessem me acossar. Todavia, naquela hora nós três, passamos a suspeitos, coisa que eu não esperava. Portanto, estaríamos juntos em defesa da nossa própria pele. Rapidamente, PH sacou duas pistolas, entregando uma a Antena, dizendo: ‘Não fui eu, não sei quem foi, mas ninguém vai tirar minha vida”. Em seguida, taxativo, me disse que pegasse nossa bagagem, minha e deles, que iríamos sair naquela mesma hora no carro que trouxeram para venda., enquanto mantinha a todos sob mira de suas armas. Fiz rapidamente o que me foi determinado e quando voltei à sala PH já com as chaves do carro nas mãos, começou a se movimentar indicando a mim que me dirigisse para o carro. Com uma mala em cada uma das mãos, minha mochila às costas e uma valise debaixo do braço, precipitei-me sala afora. Sentei-me no banco traseiro enquanto PH e Antena, movimentando-se de lado entraram no veículo. Todos assomaram ao alpendre observando-nos e nós, à toda, saímos do local. Ouvimos uma verdadeira salva de disparos de rifles. Abaixei-me, bem como PH, que controlava o veículo da melhor maneira possível. Nisso ouvimos um grito partindo de Antena. Fora atingido na cabeça espirrando sangue para todos os lados. Aquele povo não dispunha, segundo eu havia observado, de nenhum veículo decente  que pudesse impedir nossa fuga. Sem dúvida nenhuma o imponderável contribuíra substancialmente para o sucesso da minha empreitada. É bom que se diga que eu tinha meu próprio plano de fuga, não precisei utilizá-lo. O carro sacolejava absurdamente porque PH não se preocupou com buracos, lama ou morrinhos. Pelo retrovisor interno do carro controlava a retaguarda preocupado com eventual perseguição e com o corpo de Antena,  sem saber se estava vivo ou não. Logo entramos na estrada asfaltada e PH imprimiu uma velocidade maior. Depois de uma hora de viagem, com a certeza de estarmos salvos, disse-me “Vamos ver como está o Antena!”, estacionando o carro no precário acostamento e virando-se ligeiramente para trás me fez a pergunta que esperava que fizesse ‘Foi você Gustavo’? Neguei veementemente. ‘Um grande mistério’, ele concluiu, estacionando o carro à margem da estrada. “Me ajude com Antena!”. Exclamou. Cuidadosamente retiramos o corpo do homem e nem precisava auscultar seu coração. Sua cabeça completamente devastada. Feita essa constatação, PH virou-se para mim e indagou “Foi você? Vamos lá, confesse!”. Esfriei. Com a pistola em punho, rodeou o veículo. Apenas com a tênue luz das lanternas traseiras. Encostou-me no carro e foi direto. ‘Só pode ter sido um de nós três. Como não fui eu e Antena sempre foi muito covarde para um ato desses. Sobra, portanto, você Gustavo. Você veio aqui para isso? Você é tira? Um espia? Um infiltrado? Vai falando’! Na hora me veio uma inspiração. Não fui eu PH. Quando começou a gritaria e eu vi o que era, deixei ‘El Hombre’ sentado, vivíssimo, com seus dois moços, o Miguel e o Solito. Só pode ser um deles. Vamos voltar para apurar, ou você vai acreditar na minha palavra? Eu volto! Tenho a consciência tranquila’. ‘E existe consciência no nosso meio’? PH titubeou. Ficou em silêncio por alguns segundos e determinou ‘Vamos embora’. “Mas e o corpo de Antena?”. Os abutres que façam bom proveito. Aliviado tomei meu lugar no veículo. Deste modo dei por terminada minha missão. Mas, PH, quando chegamos em São Paulo me fez uma ameaça nada velada. Falou claramente ‘Cara, acho que você é um espia. Poderia liquidá-lo se tivesse absoluta certeza. Fizemos algumas coisas boas juntos. Na verdade, tenho apreço por você. Como não tenho certeza vou te poupar. Ainda sou um cara de princípios apesar do meio em que vivo. Contudo, saiba do seguinte, você é um homem morto se nos alcaguetar. Vá cuidar da sua vida e não quero mais vê-lo no meio da nossa turma’. E assim findou minha missão. Fui muito cumprimentado pelos superiores e comando da polícia, contudo decidi que aquela era a primeira e última missão que me dispusera desempenhar”.

            Aliviada, Sasha terminou a leitura depois de vivenciar um verdadeiro thriller, embora soubesse desde o início que nada de mal acontecera ao seu irmão. Em seguida, passou a fazer algumas reflexões. Em primeiro lugar, a cia citada por seu irmão logo no início de sua descrição da missão era abreviatura de cianureto e não a agência norte-americana de investigações. Em segundo lugar, a ironia da vida. PH que quase o assassinara na fuga de Chaparez, seria o causador da sua morte no acidente fatídico. Em terceiro lugar, faria algo que já deveria ter feito antes. Aproximar-se de Marlyse, a fim de não perder contato, pois ela poderia ser de bastante proveito naquilo que era seu interesse profissional.

(Semanalmente, o Jornal de Itu publica este romance por capítulos. Acompanhe! Na próxima semana começaremos a ler a segunda parte. Para ler os anteriores, clique aqui)

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