Uma mulher de princípios

Éden A. Santos

                                                                       VIII

            Neste momento Sasha, parou a leitura, ajeitou-se em sua cama, sorveu um gole da garrafa de água que tinha ao lado, tomou fôlego e pensou, “meu irmão seria um grande contador de histórias, não fora a fatalidade”.

            “No século passado, no estado do Mato Grosso do Sul predominava o cerrado, segundo me contou PH, contudo hoje, na rota para Campo Grande, há uma cobertura de eucaliptos em boa parte para atender a demanda das indústrias de celulose, colocadas entre as maiores do mundo. A cidade de Três Lagoas, fiquei sabendo por ele – descrevia Serguei – era a maior cidade produtora de celulose do mundo. A viagem para Campo Grande foi monótona até chegarmos a Água Clara, debaixo de um calor que só não era maior pelas janelas que todos deixavam abertas para entrar um vento refrescante. Depois alcançamos Ribas do Rio Pardo numa viagem não menos monótona agora já permeando bons espaços de cerrados para, finalmente, ao fim da tarde, chegarmos a Campo Grande, capital do estado, que surpreende pela pujança de prédios e movimento de carros e pessoas, como vimos. Paramos para pernoitar e retomar a viagem com destino a Corumbá no dia seguinte. Cansei! Mas, precisava e tinha que continuar. Como se sabia PH conhecia exatamente para onde irmos. Tomamos um táxi e ele pediu ‘leve-nos para o Hotel Moreno’. Este já era um pouco mais sofisticado, do que o anterior, inclusive no cardápio. Orientado pelo garçom que disse ser a melhor chuleta do país, foi a minha pedida no jantar. Não sei se era do país, mas realmente não fiquei decepcionado. Mato Grosso do Sul, produzia a melhor carne do Brasil e Campo Grande era a capital do Nelore, gabou-se Gaspar, o garçom que nos atendia. Terminado o jantar passeamos um pouco pelas imediações, paramos os três para tomarmos uma cerveja, aliás três, e nos recolhemos. Desta vez, cada um num quarto. No dia seguinte tomamos novamente outra composição ferroviária, do mesmo horário da anterior, com destino a Corumbá. E aí a paisagem começou a mudar enquanto avançávamos. A primeira cidade mais importante foi Aquidauana distante mais ou menos 140 km de Campo Grande. É considerada o portal de entrada para o pantanal. Caudalosos rios, misturados a uma vegetação de pequenas árvores foram sendo apresentados. O comboio ferroviário continuou até Miranda, uma cidade importante do estado, que distava algo ao redor de 75 km. Finalmente, daí o trecho mais longo, acima de 200 km, até Corumbá. Uma cidade atraente, com um calor sufocante, por uma série de razões, mas principalmente, por estar pouco acima do nível do mar, e do  rio, alagados e charcos da região”.

            – Filha! Preciso preparar o almoço. Pode me ajudar? – Era Vládiva conclamando Sasha.

            – Já vou mamãe!

            Sasha guardou a caderneta debaixo do seu travesseiro e encaminhou-se para a cozinha. Depois do almoço continuaria a leitura que até aquele momento era apaixonante, sobretudo porque seu irmão estava descrevendo um plano para liquidar um poderoso produtor de maconha e como descreveu, patrocinado por autoridades de combate ao tráfico. Já tinha orgulho do seu irmão, isso agora se multiplicava e ela via tudo aquilo como se estivesse assistindo a um thriller no cinema ou na televisão.

            Concluído os afazeres para o almoço Sasha pediu,

            – Mamãe,  estou estudando um material para o vestibular e sem fome, de modo que vou tomar apenas um copo com leite e volto para meu quarto.

            – Não senhora! Seu pai está à mesa e vamos almoçar nós três. Você precisa se alimentar para enfrentar seus estudos.

            – Ah!Mama

            – Não tem mama, nem papa, você vai sentar-se à mesa e comer algo.

            E assim foi. Vinte minutos depois,

            – Papa, mama, me dão licença?

            – Sim, filha! – Autorizou o pai.

            – Filha, você precisa cuidar da sua saúde para poder enfrentar os vestibulares com força e disposição –. Acrescentou a mãe.

            Fechando a porta, Sasha voltou à leitura.

                                                                       IX

            “Descemos em Corumbá ali pelas quatro horas da tarde. Antena também sabia exatamente o que fazer. Foi desvencilhar o veículo e tratar dos trâmites para o carro embarcado com destino àquela cidade e que estava no pátio da estrada de ferro aguardando a retirada, do qual eu já até havia até me esquecido. Isso demorou uma hora. O carro era uma Tucson, cor preta. Com Antena ao volante dirigimo-nos para um hotel. PH me explicou que ‘era melhor descansar o restante do dia porque no seguinte a parada seria dura’. O hotel chamava-se Arara Azul. Ah! Algo que volto a mencionar, todos estávamos com documentos falsos. Na verdade, eu já estava com a terceira identidade. Para entrar no esquema criminoso, já era falsa. Entrei com o nome de Peter. Depois, PH providenciou para que eu tivesse uma terceira e aí eu já me chamava Gustavo. No hotel, nós três em quartos separados pude, recostado em minha cama, antes do jantar e após um restaurador banho, fazer um retrospecto de como entrara naquela empreitada. Minha vida era tranquila, com amigos no futebol, na vizinhança e na faculdade. Vivia igual a muitas outras pessoas da minha idade. Certa vez, jogando futebol pela minha faculdade, cruzei com uma moça que era uma juíza de futebol numa partida contra uma escola de que nem me lembro o nome. Quando sofri uma falta violenta, me insurgi contra a arbitragem e ela me deu cartão amarelo. ‘Se você fosse homem eu iria ter uma boa conversa com você lá fora’ – reagi. Terminado o jogo, depois de banho tomado, saindo dos vestiários, cruzei com a moça no corredor do estádio. ‘Não sou homem, mas você não vai ter uma conversa comigo’? Disse-me ela. Surpreendi-me por duas razões. Primeira, porque ela me desafiava; segunda, porque era muito bonita, o que eu não notara no campo do jogo. Sorri! Caminhamos, ambos, em direção à saída. Quando chegamos ao estacionamento nos despedimos. ‘Você tem face, twitter ou WhatsApp’? Perguntei. Ela me deu os três.

Bem a partir daí surgiu uma amizade que logo se transformou em amor. Disso dei conhecimento à minha querida irmã Sasha”. É verdade, pensou a jovem. Marlyze era o seu nome. “Contudo, para surpresa minha ela fazia parte de um trabalho de inteligência da polícia civil. Depois de algum tempo – e jamais comentei com alguém, nem com Sasha, pois isso era terminantemente proibido e segredo estratégico – ela, habilmente, introduziu-me no grupo de elite e inteligência da Polícia. Convenceu-me e em um certo dia, depois de uma prolongada entrevista e uma pesquisa de comportamento social, fui convidado a participar do trabalho de prevenção de crimes. Ainda assim, pensei por algum tempo, mas enamorado, decidi e aceitei. Engajado, fui treinado a usar especialmente o cérebro para desvendar crimes e agir no seu combate, sempre em missões especiais, não abrindo mão, contudo, de eventuais ações implacáveis na eliminação de marginais quando necessário. Não era coisa para amadores. O treinamento desenvolvido na Academia de Polícia envolvia muitas disciplinas teóricas e práticas. Tive um aproveitamento muito bom. Pela minha convivência fiquei conhecendo a polícia por dentro e por fora. Gente decente e gente nem tanto assim. Fiquei sabendo, por exemplo, o caso de um delegado que tinha no seu imediato um homem de absoluta confiança. A ele incumbia as tarefas mais complexas que exigiam competência, integridade e honestidade. O dia em que ficou sabendo que aquele auxiliar era corrupto, subornável e estava envolvido em um esquema de lenocínio, a desilusão foi de tal ordem que o homem não suportando, tomou uma atitude extrema, suicidou-se. Sem dúvida um homem de absoluta e total retidão. Sem concessões. Em compensação, havia algumas figuras almofadinhas com ternos, gravatas, camisas e sapatos impecáveis, certamente de origem européia, que colegas e subordinados não arriscavam um centavo por sua decência e honradez. Assim me introduzi num trabalho de risco, mas inegavelmente prazeroso e emocionante, como confirmei posteriormente onde, em alguns casos, o que não faltava era adrenalina. Deixei minhas introspecções de lado, tirei uma soneca e em seguida fui para o restaurante do hotel. A mesa não tinha nada de inusitado. O garçom nos trouxe pão e manteiga e aquela era a entrada.

Depois, nos foi apresentado por ele um cardápio prosaico e para não ter erro e por recomendação dele, optei por uma chuleta na brasa. Realmente, a carne por aquelas bandas era de qualidade insuperável. Enquanto comíamos, conversávamos sobre questões triviais, sem tocar nos motivos pelos quais estávamos tão longe de casa. De qualquer modo, enquanto avançávamos por aquele mundo distante e desconhecido para mim, a ansiedade era cada vez mais minha companheira. Procurei disfarçar para mim mesmo, divagando sobre aquela cidade, que não conhecia, nem ela a mim e que não saberia dizer se voltaria a vê-la. Esqueça, pensei comigo mesmo. Neste mês de janeiro Corumbá é uma cidade quente e abafada. Plana, quase ao nível do mar como já disse,tem alguns poucos prédios altos. É, muito mais, uma cidade espalhada. Na maior parte das suas construções, residenciais e comerciais, predomina a cor branca, acho que para amenizar a temperatura esturricante. Sua população beira os 100.000 habitantes. Foi fundada em 1778 pelo Capitão-General Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres”. Pô, mas que nome comprido – pensou Sasha –.

“É banhada pelo rio Paraguai o que lhe dá características de um balneário tropical. A população, que se movimenta sem nenhuma pressa, é amistosa, hospitaleira e amável, com um linguajar e sotaque bem peculiares. Foi palco de uma batalha decisiva na Guerra do Paraguai, travada entre os países da Tríplice Aliança, Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai do ditador Solano Lopes, isto em 1867. Tudo isso fiquei sabendo pelo garçom corumbaense Virgílio. O cara é fanático pela sua cidade e um verdadeiro publisher dela. Disse-me, orgulhosamente, que por morar na fronteira ele e a maioria do corumbaense tem o sentimento patriótico de estar sendo guardiões do Brasil, apesar de muitas vezes eles, corumbaenses, se sentirem ignorados pelo resto do país.

(Semanalmente, o Jornal de Itu publica este romance por capítulos. Acompanhe! Para ler os anteriores, clique aqui)

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